quinta-feira, 2 de junho de 2016

O MILAGRE DE DIVINA PASTORA

Imagine, se eu, juiz de direito e catedrático mais renomado de todo o estado de Sergipe, irei submeter-me a este ínfimo convite seu: fazer um extenuante percurso, de mais ou menos dez quilômetros, a pé, da cidade de Riachuelo até a cidade de Divina Pastora, levando um sol escaldante na moleira e comendo poeira naquela estrada de chão batido. Não, minha querida, dispenso veementemente seu convite de mau gosto! Não há a mínima chance de eu aceitar este seu convite fortuito. Além do mais, nada há na cidade de Divina Pastora de atrativo que mereça esse sacrifício todo. Se, pelo menos,você me convidasse para fazermos uma peregrinação pelo caminho de Santiago de Compostela! Aí sim, a coisa mudaria de figura. Indubitavelmente, eu lhe faria companhia com muitíssimo gosto. Não por questão de fé, pois, melhor que ninguém, você sabe que sou ateu de pai e mãe. Entretanto, eu aceitaria, sem pestanejar, percorrer o caminho de Santiago porque esta peregrinação, ao contrário da Peregrinação de Divina Pastora, promove status! É excelso a pessoa dizer que já percorreu o caminho de Santiago. Tem um aluno meu, do oitavo período, na Faculdade de Direito, que já fez esta peregrinação e me deu ótimas dicas acerca deste caminho. Disse-me ele que o melhor é começar a caminhada pela cidade de Pamplona. Estando na cidade espanhola de Pamplona, de mochila nas costas, um cajado na mão e com o cantil cheio de água, partimos rumo a Santiago de Compostela. Esta peregrinação sim enriquece nosso currículo social. Agora, fazer a peregrinação de Divina Pastora é coisa para tabaréu sertanejo. Esse povo sertanejo cristão que faz a peregrinação de Divina Pastora é gente sem eira nem beira, chega em manada de caminhão pau-de-arara. E o absurdo maior é que afirmam que fazem esse esforço descomunal em nome da tal fé que eles professam. Acredito que os cristãos interpretam, como é o habitual deles, de maneira errônea as palavras do magnífico escritor argentino Ernesto Sábato, que disse: "Não se pode viver sem heróis, santos, nem mártires... São eles que nos indicam os caminhos pelos quais a vida pode renascer".      Salvo engano de uma ou outras palavras, foi esse o monólogo que enuncie para minha, hoje falecida, esposa Eda, quando ela me convidou para acompanhá-la na Peregrinação de Divina Pastora, em outubro do ano 1989. Diferentemente do que sou hoje, já fui um homem prepotente, autossuficiente, arrogante, um ser humano extremamente intragável. Achava-me o melhor homem em absolutamente tudo: no direito, na escrita, na oratória, na família. Necessariamente nessa ordem, uma vez que eu colocava minha esposa em último grau de prioridade. E o mais grave de tudo: eu era um ateu convicto. Como dizia minha mãe, que era uma ateia militante: somos ateus cuspidos e escarrados. Ela não fazia a mínima questão de omitir, a quem quer que fosse,a descrença da nossa família em Deus. Foi necessário acontecer algo dilacerante em minha vida, de forma abrupta, para perceber que eu não era o centro do universo. Perceber que, assim como eu, tudo que existe no universo é criatura. E tudo que temos e somos nada mais é do que benesses concedidas pelo Criador.         Hoje, passados alguns anos do fato aflitivo ocorrido em minha vida, fui convencido pelos confrades da comunidade monástica contemplativa, da qual sou membro, a escrever um testemunho narrando a história do milagre que precedeu minha conversão. Após um período de jejum, penitência, reflexão e intensa oração, ouvi, através do meu coração, a voz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, padroeira de Aracaju, me dizendo as palavras que ela ouviu do Arcanjo Gabriel: “Não tenhas medo...”. Portanto, serve este texto somente como testemunho pessoal das maravilhas que Deus Pai, por intercessão de Nossa Senhora Divina Pastora, fez na minha vida.       Como já relatei, hoje sou um ardoroso monge contemplativo de uma Ordem Religiosa pertencente à Igreja Católica Apostólica Romana. Hoje sou um homem de fé, de muita fé. Tal qual descreve São João em sua Primeira Carta 5,4: “E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé". Hoje eu tenho fé, uma incomensurável fé em Deus nosso Pai Criador. E esta fé começou a brotar em mim justamente em uma peregrinação de Divina Pastora. Pois, depois de perder minha esposa Eda, que teve a vida ceifada precocemente pelo câncer de pâncreas, fui à peregrinação de Divina Pastora, evento religioso do calendário sergipano, anualmente celebrado no terceiro domingo do mês de outubro. Antes de morrer, Eda me fez prometer, no leito de morte, que eu faria a peregrinação de Divina Pastora. E a duras penas, por ser, até então, um ateu, honrei com a palavra empenhada à moribunda.     Ainda na cidade de Riachuelo, antes do início da peregrinação, quando vi aquela imensidão de gente, uns com seus chapéus de palha na cabeça e outros com seus guarda-sóis cantando: “No céu, no céu, com minha mãe estarei”, caí em um pranto sem fim. Lembrei-me das contínuas investidas que a minha falecida esposa Eda fazia para eu ter fé em Deus. Neste ínterim, a peregrinação rumo à Divina Pastora começou. Acreditem, caminhei todo o percurso da peregrinação, sem sequer sentir o mínimo de calor, sede, fome ou cansaço corporal. Quando dei por mim, estava dentro da matriz de Nossa Senhora Divina Pastora, ajoelhado diante do ostensório, com o Santíssimo Sacramento exposto para adoração. Sem ser orientado por ninguém, humanamente falando, depois da adoração, fui até o confessionário me confessar a um padre. Este, depois de ouvir minha história de vida, falou-me que Deus me amava, sempre me amou. Mesmo quando eu era descrente Dele. Que nunca estive só e que Deus sempre cuidou de mim. Desde então, hoje como monge, ofereço-me inteiramente para servir a Deus e faço por merecer um dia comtemplar a Sagrada Face de Nosso Senhor Jesus Cristo. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)