quarta-feira, 15 de junho de 2016

 RUMINAÇÕES DA HISTÓRIA QUE SOU

O ano era 1985, eu cursava filosofia no Seminário Maior, a Teologia da Libertação estava efervescente no Brasil. Davam-se notícias que o então coligado que formava a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estava dividido em duas alas: bispos conservadores e bispos progressistas. Eram vistos como bispos conservadores, dentre outros: Dom Eugênio de Araújo Sales, Dom Lucas Moreira Neves, Dom José Freire Falcão, Dom Luciano Cabral Duarte e Dom José Cardoso Sobrinho. Bispos apontados como progressistas, dentre outros: Dom Hélder Câmara, Dom Adriano Hipólito, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldálica. No Seminário Maior era terminantemente proibido lermos livros relacionados à Teologia da Libertação. Mas um livro, em especial, havia tido a sua aquisição vetada "Igreja: Carisma e Poder", de autoria do então frei franciscano Prof. Dr. Pe. Leonardo Boff. A proibição da compra do mencionado livro nos remetia à lembrança de uma longínqua época da Igreja, quando havia a determinação do Index Librorum Prohibitorum.  Entretanto, como nunca dependi de adjutório financeiro da Igreja, pois minha manutenção no seminário e com meus estudos eram providos pelos meus pais, na primeira chance que tive, comprei o livro censurado. Porém, havia outro obstáculo a ser vencido: que expediente eu usaria para levar o livro para dentro do semanário e lê-lo sem ser descoberto? Mas do que comum, naquela época, era uma obrigação para o Reitor do seminário, fazer incertas, uma vez por semana, nos armários e birôs dos seminaristas. Em dias e horários não sabidos, o Reitor chamava o seminarista escolhido da vez e mandava o interno abrir seu armário de roupas e as gavetas do seu birô de estudos. Vasculhava as prateleiras e gavetas. Não encontrando nada comprometedor, o seminarista retornava para seus afazeres triviais de um candidato ao sacerdócio. Certa feita, foi descoberto no armário de um seminarista do último ano de filosofia, um exemplar da revista Playboy. Após o gravíssimo acontecido, por mais que o seminarista pego em flagrante houvesse implorado por clemência, o Reitor, após fazer citação de uma frase do filósofo francês Jean Buridan: "É impossível viver a doutrina sem a moral", estabeleceu o período de uma hora para o seminarista julgado e sentenciado colocar seus teréns na mala e deixar para sempre o Seminário Maior. Tendo este fato ocorrido como exemplo, eu fui mais precavido. Andava com o exemplar do meu livro "Igreja: Carisma e Poder" preso no cós da minha calça dia e noite. Para não levantar suspeita, passei também a usar camisa fora da calça. E, na hora de dormir, eu colocava o livro dentro da fronha do meu travesseiro. Li todo o livro, às escondidas, no banheiro, em horas oportunas. Concluída a leitura, fiquei extremamente maravilhado com o autor e sua obra. Passei a ser um leitor contumaz dos livros de Frei Leonardo Boff: "Jesus Cristo Libertador", "Graça e experiência humana", “A cruz nossa de cada dia", "O rosto materno de Deus", "Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos", “Paixão de Cristo - paixão do mundo" e "Ave-Maria". Fazer a leitura dos livros do teólogo franciscano Leonardo Boff foi algo preponderante para minha vida. Os livros dele me proporcionaram uma visão aprofundada da Eclesiologia. Em 1990, deixei o Nordeste e vim morar e estudar em Petrópolis. E o meu primeiro propósito de vida em Petrópolis foi conhecer, pessoalmente, o franciscano que havia sido punido pelo Vaticano com um "silêncio obsequioso". Quem me franqueou a possibilidade de estar com o então Frei Leonardo Boff foi D. Laura Martha, mãe do Prof. Paulo César dos Santos, o então Secretário Municipal de Cultura de Petrópolis.  O nosso encontro aconteceu nos jardins internos do Convento do Sagrado Coração de Jesus. Diante daquele homem tão culto, teólogo de primeira grandeza e com uma finesse receptiva, no primeiro momento, eu fiquei inerte. Aos poucos, eu fui perdendo minha timidez e pude aprender grandes lições com um mestre que abordava os assuntos dialogados de forma professoral. No final da nossa conversa, ele atendeu ao meu pedido e autografou os livros da sua autoria que eu havia levado. Despedimo-nos, beijei-lhe as mãos em sinal de meu profundo respeito e admiração, ele acompanhou-me até o imenso portão de saída do Convento. Já fora dos muros do Convento, eu tive a absoluta certeza, havia conhecido a personificação da sapiência teologal. Prof. Dr. Leonardo Boff, indubitavelmente, é o maior teólogo brasileiro vivo.     (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)