quarta-feira, 27 de agosto de 2008

POESIA - SOMBRA NA PAREDE

Quero este amor, assim como existe a minha vida, meus sonhos,
minhas atitudes desgovernadas!
Arrasto para dentro de mim, a sombra desbotada na parede
com o intuito de engolir o que foi-me oferecido.
Nada possui a definição do instante codificado do êxtase.
Não se traduz a leveza, nem tão pouco as primícias,
do fruto regado de prazer.

domingo, 24 de agosto de 2008

CONTO - BIOGRAFIA DE UMA PAIXÃO

BIOGRAFIA DE UMA PAIXÃO - Conto escrito em 1988.

Todos tinham conhecimento, sem exceção, inclusive o Cardeal Metropolitano do Rio de Janeiro, de que a verdadeira vocação do diácono Ailson Fontes não era o sacerdócio mas sim a de ser jogador de futebol. Para ser mais preciso, ser goleiro. Sua técnica infalível de defender o gol rendeu-lhe uma matéria de página inteira no caderno de esportes do jornal O Globo. A manchete trazia o seguinte título: “As Mãos Protetoras do Goleiro de Deus”. O que mais instigava a todos era saber que o diácono Ailson recusou um rico contrato para jogar em um time de grande porte da capital fluminense.
Após oito anos ininterruptos estudando Filosofia e Teologia no Seminário São José, no bairro do Rio Comprido, finalmente chegou o dia da ordenação sacerdotal do diácono Ailson, na Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Pontualmente, às 10h daquele domingo de sol abrasador, adentrou na Catedral Metropolitana um exército clerical: seminaristas, diáconos, bispos-auxiliares e Sua Eminência, o Cardeal, que presidiria a cerimonia religiosa. Todos paramentados liturgicamente se dirigiram ao presbitério sob o imenso tapete vermelho. Logo atrás das autoridades eclesiásticas, vinha uma legião de mulheres, pertencentes a diversos organismos da Santa Madre Igreja: Apostolado da Oração, Filhas de Maria e Cruzada Eucarística; todas traziam bandeiras bordadas com as insígnias das respectivas confrarias. A entrada das carolas na igreja-mãe da Cidade Maravilhosa foi coreografada. Os passos e os movimentos feitos com as bandeiras eram sincronizados, milimetricamente corretos, tais procedimentos faziam lembrar uma festa de abertura da Copa do Mundo em estádio lotado.
Durante toda a celebração, desde o intróito, o diácono Ailson, sempre com o olhar opaco, fixou os olhos na mãe, que estava sentada na primeira fileira de bancos. Dona Mara, moradora de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, viúva e pensionista da Marinha do Brasil, mãe de um único filho, fez de tudo para vê-lo padre. Chantagem emocional era o principal artifício para mantê-lo no seminário.
Com o término da celebração, o, agora, padre Ailson Fontes se dirigiu à genitora e, diante de todos os presentes despiu suas vestes litúrgicas: casulo, estola e a túnica. Entregou-as para a mãe. Com a voz embargada e os olhos lacrimejados disse-lhe.

___ Agora cumpri o que havia prometido à senhora e ao meu pai, antes dele morrer: sou padre da Igreja Católica Apostólica Romana. Não era isso que vocês queriam? Que eu fosse Padre? Promessa feita, promessa cumprida. A partir de agora, vou atrás da minha verdadeira vocação.

___ Não faça isso, meu filho amado, eu já estou velha e cansada, não agüentaria viver com esse desgosto.

Por mais que dona Mara tentasse dissuadir o filho da idéia de abandonar o sacerdócio, minutos depois de ser ordenado, não teve êxito. Padre Ailson saiu da Catedral em disparada, correndo pela avenida Chile sem olhar para trás. Defronte do Teatro Nelson Rodrigues, o neo-sacerdote deu sinal para um táxi, quando este parou, ele entrou e pediu uma corrida para Laranjeiras. Para ser mais preciso, seu destino era a Sede do Fluminense Football Club.

domingo, 17 de agosto de 2008

PALAVRADOR E FILÓSOFO MINEIRO

O palavrador mineiro, João Guimarães Rosa, foi antes de tudo um filósofo por natureza. Da sua prosa pode-se extrair, além de excepcional narrativa, também, ensinamentos preciosos e enriquecedor para o nosso dia-a-dia. O fascínio começa a partir do universo sertanejo, onde se encontra a filosofia existencial, calcada na visão do homem simples que aprendeu a enxergar o óbvio. Através do linguajar matuto do sertanejo-personagem, estar de forma explícita o entendimento: De onde veio o homem e para onde caminha a humanidade? A vida é unicamente para ser vivida? Existe compreensão para inconstância da vida? As respostas são incididas no contexto da vivência, e, a síntese da existência humana é delineada na fala do sertanejo-personagem criador por Guimarães Rosa. _ “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O MUNDO AO DEUS DARÁ


O mundo está mesmo de cabeça para baixo. A cada dia recebermos uma enxurrada de informação desumana. E o, pior nós estamos enxergando as barbáries com naturalidade! O estágio de vida, que ora, nos encontramos, é exatamente o contrário que propagou o bem amado santo da ternura maior: São Francisco de Assis.
Senhor, transformai-me em um escroque.
Onde houver ódio, que eu cometa uma carnificina.
Onde houver ofensa, que eu leve um tresoitão para matar quem me ofendeu.
Onde houver discórdia, que eu plante mais desgraça até concluir o extermínio.
Onde houver dúvida, que eu dissimule até convencer que a minha mentira, é verdade.
Onde houver erro, desde que não seja praticado contra mim, que eu faça vista grossa.
Onde houver desespero, que eu dê o tiro de misericórdia.
Onde houver tristeza, que eu leve a notícia fúnebre.
Onde houver trevas, que eu mande quebrar as lâmpadas dos poucos postes que ainda tem luz, para que enxergue somente o breu.
Há quem diga que este mundo foi vendido a Lúcifer, assim como tem gente que vende a própria alma. O mundo foi vendido por uma ninharia irrisória, Já que seu Criador desistiu de reformá-lo. Uma fez que, construir outro, sai mais em conta. Portanto, é cada um por si, e o Criador contra todos. Está na bíblia, no livro do Deuteronômio: - "É olho por olho, dente por dente".

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

CONTO - TRASNFIGURAÇÃO DO ONTEM

Este conto foi escrito no dia 07 de janeiro de 2002.

TRASNFIGURAÇÃO DO ONTEM
Havia mais de três horas que eu estava em um cubículo, onde eles chamavam de sala de interrogatório. O local com uma luminosidade quase inexistente tinha um aspecto de algo tenebroso, causando-me assim a sensação de que não sairia vivo dali.
Recebi ordens em tom de agressividade, dada por um negro de aproximadamente 45 anos, que tirasse meu hábito, pois a partir daquele momento eu seria tratado como homem comum, não mais como padre. Exigiu ele, que eu ficasse totalmente despido: “Se possível tire a roupa também da vossa alma, seu padreco vermelho safado.” Disse estas palavras após notar minha rejeição contrária a suas ordens.
A cada pergunta não respondida por mim, hora eu era ameaçado, hora eram aplicados tapas em meus ouvidos, na gíria essa prática é conhecida por “telefone”. Num dado instante quis saber a razão pela qual estava detido e o motivo de tantas perguntas.
__ Você sabe, se esconde atrás dos muros do convento e da batina para desestabilizar a ordem nacional . Você e outros da sua laia são todos desordeiros, comunistas, veados e subversivos, por isso todos vocês devem ser banidos da face da terra.
__ Eu tenho meus direitos como cidadão. __ Tentei intimidá-lo.
__ Direitos. Que direitos ? Ouvi um riso sarcástico, ele colocou seu rosto bem junto ao meu, senti um hálito de alguém que bebeu algumas doses de conhaque, depois de me dar uma bofetada olha nos meus olhos e fala.
__ Olha aqui seu filho de uma ronca e fuça, nós estamos sabendo que vossa reverendíssima (com deboche) esta panfletiando na sua sacristia um jornaleco chamado “A Força dos Excluídos”, provocando com isso uma anarquia, ainda vem me falar de direitos.
__ De fato eu adquirir alguns exemplares do citado jornal, mais com único objetivo de ajudar as famílias dos presos políticos. Há crianças e mulheres passando fome, o jornal tem o intuito de arrecadar dinheiro para os familiares.
A minha declaração só fez aumentar a raiva do meu algoz, chegando ao ponto dele colocar o revólver na minha boca enquanto uma terceira pessoa que acabara de entrar no recinto surrava-me com uma toalha molhada, prática usada para não deixar lesão corporal, tamanha era a dor que senti a urina descer pelas pernas.
Depois da surra dada em consequência, segundo eles, da minha insolência em admitir tal respaldo às famílias dos presos políticos, jogaram um balde com água gelada sobre mim em seguida ligaram o ventilador, era costume tal coisa para que o preso pegasse pneumonia e morresse, livrando-os da responsabilidade da morte do detido.
Usaram e abusaram da autoridade covarde que eles tinham sobre minha pessoa. As torturas psicológicas e físicas eram sem limites: roleta-russa, ponta acesa de cigarros apagados na sola dos meus pés, a todo momento falavam que iriam introduzir uma chave de fenda no meu ânus e que eu não sairia vivo dali se não colaborasse com a denúncia, apontando outros padres e bispos que também estavam acolhendo em suas paróquias e dioceses familiares de presos políticos.
As forças já haviam me abandonado, eu não mais raciocinava com clareza, aproveitando isso eles obrigaram-me a assinar papéis inocentando-os de qualqueis danos, em seguida desfaleci. Acordei com um banho de água gelada e recebi a permissão de ligar para o convento solicitando que alguém viesse buscar-me. Meu Superior não deu autorização para que um confrade fosse me tirar daquele inferno. Vestiram minhas roupas e colocaram-me em um táxi, pagaram a corrida antecipadamente ao taxista, e o negro principal torturador se dirigiu a mim.
__ Não esqueça de rezar por mim seu Padre, pois sei que no fundo, no fundo, o senhor está agradecido por não lhe ter tirado a vida.
Nada lhe respondi estava completamente desorientado, tudo ofuscava a minha razão: as dores, os medos e a incerteza gritavam de forma desumana em todo meu ser.
Chegando no convento, mal podia me segurar em pé fui de imediato aparado por dois confrades, o Superior ao me ver foi de uma insensibilidade que assustou a todos os presentes profundamente.
__ Lavo minhas mãos diante dessa situação, Padre, pois diversas vezes lhe alertei sobre os perigos desse caminho que o senhor se veredou. O que eu podia fazer já fiz, aqui está a passagem somente de ida para França. Tome um banho, faça sua mala e coma alguma coisa, depois vá para o aeroporto, seu vôo sai daqui a duas horas. E, Padre, ouça bem esse conselho que vou lhe dar, esqueça que o Brasil existe e seja feliz na sua nova pátria.
Hoje vivo recluso em um convento em Alençon, norte da França, onde exerço a função de mestre de noviciado. As marcas das torturas sofridas estão vivas em mim, tenho vários problemas de saúde em consequência do que passei. Do Brasil recebo periodicamente notícias por correspondências através dos meus familiares e confrades. Demais rezo pelo os que mal fizeram a mim para que Deus acolha todos na sua infinita misericórdia.

sábado, 2 de agosto de 2008

POESIA - AGOSTO NÃO TEM FIM

AGOSTO NÃO TEM FIM

Seus dias se arrastam
como não houvesse amanhã.
As fileiras intermináveis sobre a sombra do desgosto
escondida entre as palmas das mãos.
Não dá para ser preciso em agosto
pois não faz sentido gerar os dias em incubadora solitária.
Minuciar as horas estendidas
no varal do tempo sem vento,
sem roupa, sem verdade excepcional.

Traz notícias inventadas, o periódico
relata o último capítulo da cena final.