domingo, 30 de março de 2008

POESIA SEMPRE POESIA

PALAVRADOR

Eu sou
A poesia transfigurada
Que vale nada
Que não tem odor
Eu sou
A palavra inexistente
Que fere gente
Que geme de dor
Eu sou
A encruzilhada noturna
Que guarda ossos em urna
Que vinga o amor
Eu sou
A letra sem nome
Que é faminta sem fome
Que chora feito desbravador.

CICLO VELADO

Não deixarei rastro,
nem resto de mim.
Vou embora pra lugar nenhum.
Antes da aurora,
estarei na terra do fim
coberto de flores que não dizem nada.
Receberei as visitas
de porta fechada,
longe da falsidade
daqueles que esqueceram de mim.
Nunca mas terei o desprazer,
da presença envergonhada.
Quem é você?
que ri da minha desgraça,
que sapateia em cima da última morada.
Veja a decomposição
d’alma vestida de agonia,
morre o homem,
nasce a poesia.

CIRCUNSTÂNCIA

Tenho fome
Talvez não de comida
Talvez não de palavra
Talvez não de sexo
Talvez não de você,
ou quem sabe
Tenho fome de tudo isso,
e muito mais.

PLURAL DO LEBLON

Essas meninas que seduzem o olhar,
são do Leblon,
fazem coisas que Lúcifer não inventou.
Querem aquilo que o desejo
não pode dar
e em suas cabeças,
povoa a discordância verbal.
Tribo descivilizada rompe as barreiras
da inconseqüência selvagem.

PRECISO DE NOTÍCIAS SUAS

Estou longe do meu sorriso,
distante das minhas vidas,
choro, por não falar minha língua
penalizo-me pela falta do meu berço.
Nada é real aqui,
A não ser quando recebo
notícias suas.
O medo fulminante de nunca
mais lhe ver escurece meus dias
perpetua minha tristeza,
pois está em você
o meu passado, presente em mim.
Pátria minha,
dela restaram-me as lembranças:
de um verde amazônico
de um amarelo igreja
de um azul tropical
de um branco oblíquo.
São fúteis os dias intermináveis,
tenho como companhia o imenso
muro de concreto desbotado
pelo lodo.

PRODUTO DERIVADO

Veio de cima do telhado;
Um miado
Um gemido
Um ruído
Ouviu-se pelo o rádio;
A dissonância do áudio
A música preferida
A hora esquecida
Assisti na televisão
O programa de diversão
O “jornal nacional”
O comercial

AS DORES DO MUNDO


Trago dentro de mim todas as dores


as dores do parto
as dores das prostitutas
as dores da falta de comida no prato
as dores do sangue derramado nas lutas

as dores de quem perdeu a mãe sem dizer adeus
as dores de quem não sabe perdoar
as dores de quem não acredita em Deus
as dores de quem não sabe amar

as dores dos diabetes
as dores nas filas intermináveis dos hospitais
as dores avassaladoras das pestes
as dores das doenças provocadas pelas mazelas sociais

as dores da infância perdida
as dores do amor profundo
as dores d’alma ferida
as dores do mundo.

AMOR DESCABIDO

Encontrei
nas palavras o caminho,
que me levara a você.
Assim, como as pérolas
trouxeram-me os versos de fevereiro,
para que eu esculpisse seu rosto
no tempo, no sol a pino escaldante.
Vinte oito de fevereiro,
concebido de um pecado qualquer
de um amor qualquer.
Foi assim que reconheci
você em mim
dentro de mim.
Persisto em dominar
o silêncio da sua ausência,
comprimo sua ausência
com sua presença nos versos
que criei pra você.
Pobre de mim,
não consigo me libertar
estou preso em seu universo.
É doloroso o amor?
Sim, é tremendamente doloroso
amar.

terça-feira, 25 de março de 2008

CONTO - A SAGA DE UM DIABÉTICO

Este conto inicialmente foi escrito no Dia Mundial do Diabetes, para o Jornal Petrópolis em 1998.

A SAGA DE UM DIABÉTICO

A vida foi cruel por demais com Alberto Sameiro. Durante sua existência, apesar de ser uma pessoa dotada de muita sapiência, ele nada foi, nada teve, e nem tão pouco nada herdou. Natural da cidade de Codó, no Estado do Maranhão, Alberto Sameiro veio tentar a sorte no Rio de Janeiro. Com ele veio quase nada de dinheiro, e os originais de um livro escrito por ele. Os entendidos na arte de escreve disseram, que qualquer grande editora do sudeste publicaria sua obra literária intitulada QUEIMA SANGUE, um romance de 332 páginas. Depositou suas esperanças na profecia feita pelos intelectuais acadêmicos de Codó, e com a cara e a coragem chegou no Rio.
Tinha 35 anos, e uma enorme obesidade, não bebia e nem fumava. Seus vícios eram: beber de forma descomunal refrigerante e comer constantemente doce. Ficava horas e horas se deliciando com variedades de doces na confeitaria da Rua Riachuelo, rua onde morava em uma pensão, na Lapa. Quando lhe perguntavam porque comia daquele jeito, ele respondia que era pela ansiedade de ter a resposta da editora, se publicaria seu romance ou não. O tempo passava, mais peso ele ganhava e demasiadamente água bebia.
Certo dia, vinha Alberto Sameiro em direção à pensão, com uns livros na mão, que acabara de comprar em um Sebo na Rua do Carmo, no centro da Cidade. Quando chegou perto dos Arcos da Lapa, viu uma aglomeração de pessoas que faziam exame gratuito de diabete. Ele sempre hesitou em fazer o teste para saber se era portador da diabetes. Sua mãe tinha morrido depois de viver vida inteira com o mal. Sua avó, também diabética, morreu. Sabia que possuía todos os sinais da maldita doença, bebia água demais, acordava durante a noite com a boca ressecada, ia de forma exagerada ao banheiro para urinar e sua visão, a cada dia que passava, estava embaraçada. Havia dias em que seus olhos pareciam duas bolas de fogo.
Pensou, pensou e resolveu fazer o teste. Em questão de segundos saiu o resultado, e o aparelho medidor da taxa de glicose no sangue, mostrou – 395. A senhora gorda que realizou o teste, de imediato não acreditou nos números mostrados no visor do aparelho e conferiu várias vezes.
Decididamente, Alberto Sameiro tinha nascido para sofrer. Se Deus existia e se fosse Criador de tudo que existia na face da terra, ele esqueceu de cuidar de Alberto Sameiro, pois ninguém merecia sofrer daquele jeito, muito menos o literato codonense, que tinha muita fé em Deus e abriu mão dos seus bens materiais, herdados parte da sua falecida mãe, em favor dos menos afortunados. Um homem de alma boa. A revelação de ser ele portador de diabetes, o levou a uma terrível depressão. Não se alimentava direito e só saia do seu quarto para assistir televisão na sala da pensão. Começou a perder peso e na sua pele apareceram manchas avermelhadas.
Com aquele aspecto decadente, que ultimamente se apresentava, logo nasceram rumores que o Alberto Sameiro estaria com Aids. Mais uma vez a vida lhe fez vítima.
Um dia assistindo o noticiário pela TV, vê a reportagem que deixa-o atônito, a editora que tinha ficado com os originais do seu livro, havia sofrido um incêndio e tudo que existia na editora foi devorado pelo fogo. Sua última esperança tinha acabado de morrer queimada. Não podia nada mais fazer, uma vez que não possuía cópias dos originais, o romance QUEIMA SANGUE definitivamente virou cinza. O choque da notícia foi tão grande que Alberto Sameiro desmaiou e as pessoas levaram-no para o Hospital Souza Aguiar. Quando o médico de plantão perguntou a dona Adelaide, proprietária da pensão, o que havia acontecido com o paciente, ela sem demora respondeu:

___ Acho que tem Aids. Disse isso revestida de muita certeza.

Foram feitos todos os exames, e o único mal sofrido por Alberto Sameiro era a diabetes crônica. Ao voltar a si, ele não conseguia enxergar, perdeu por completo a visão. Na sua perna tinha uma enorme ferida que se transformou em gangrena.

___ Por isso que Alberto sempre vivia de calça comprida. Falou Dorinha, prostituta que também morava na pensão.

Por ter dado gangrena na perna, era necessário amputá-la. Alberto Sameiro, não reagia a dor, não reclamava da vida, e não fazia questão de viver. Se entregou à morte, sem compaixão da vida. Na mesa de operação, onde os médicos amputariam-lhe a perna, veio a falecer, sem ser nada na vida. Foi somente um diabético.

domingo, 16 de março de 2008

POESIA - FILHO DA SANTA

Poema escrito em 2001.

FILHO DA SANTA


Maria,
vai com os outros
abre as pernas, finge o gozo
pra ganhar o pão nosso de cada dia.
Maria,
minha mãe, que não conhece meu pai
uma tarde, mesmo contra sua vontade
me pariu, não sentiu dor nem alegria.
Maria,
que com todos os homens da cidade fodeu,
posso até ser filho de um ilustre senhor
ou quem sabe, filho do pescador Estrela Guia.
Maria,
teve no corpo os males da profissão
sífilis e gonorréia lhe pegou de montão
se curava com ervas, depois voltava a ser vadia.
Maria,
hoje velha e cansada, vive em um cortiço
após anos de vida difícil,
sobrevive com uma mísera aposentadoria.
Maria,
está morrendo, nem o filho lhe visita
médico que se formou, com o dinheiro de Maria,
agora o filho da puta, renega os seus.
Que covardia!
Maria, também era filha de Deus.

segunda-feira, 10 de março de 2008

CONTO - OURO DE TOLO

ESTE CONTO FOI ESCRITO EM 1998.

OURO DE TOLO

Arthur Alencar, foi por várias vezes condecorado como funcionário modelo, tinha ele mais de vinte anos de serviços prestados à Caixa Econômica. Durante todo sua trajetória trabalhista, nunca houve um atraso, uma falta que não fosse justificável.
Solteiro convicto, dizia sempre a mesma frase quando alguém lhe questionava sua solterice: Fui consagrado à Santa Terezinha do Menino Jesus, quando uma criança do sexo masculino é consagrada a Santa Lisieux, morre solteiro.
Na sua mesa de trabalho, a imagem da Santa Terezinha do Menino Jesus tinha lugar cativo. Arthur Alencar era avaliador de jóias no setor de penhores da Caixa Econômica, aprendeu os ossos do ofício com seu genitor, um ourives renomado em todo Estado de Sergipe.
Sendo Arthur Alencar um homem portador de tantas boas qualidades, ninguém entendeu nada quando agentes da polícia federal invadiram a Caixa Econômica com armas em punho, em horário de expediente, para prender o funcionário modelo. Os colegas de trabalho e clientes, que presenciaram a cena, fizeram tudo para impedir que os policiais levassem Arthur algemado. Foi um Deus nos acuda.
Os agentes federais não mencionaram o motivo da detenção, somente diziam que estava cumprindo mandato judicial.
Imediatamente se espalhou dentro da Caixa Econômica o real motivo da prisão de Arthur Alencar, depois disso alguns ex-colegas de trabalho, não queriam nem ouvir falar o nome Arthur Alencar, outros cuspiam no chão, sentiam asco. A exceção ficou por conta de Dulce Villar, gerente de atendimento da agência. Ela contratou, com recursos próprios, o melhor criminalista de Sergipe para dar assistência jurídica ao ex-colega e sempre amigo.
Em menos de vinte quatro horas, foi concedido um Habeas Corpus para o ex-funcionário da Caixa Econômica responder ao processo em liberdade: por ser ele réu primário e ter residência fixa. De posse do seu direito de ir e vir para onde quiser, Arthur Alencar saiu em campo para buscar provas que seu erro foi cometido sob uma chantagem.

No dia do julgamento, diante do meritíssimo Sr. Juiz, o advogado criminalista deu início a sua defesa.

___ Meritíssimo Sr. Juiz e senhores jurados. Este homem, querido por todos nós, errou! Errou sim, mas cometeu o único erro da sua vida, porque foi coagido para cometer o referido delito. Não resta dúvidas do fato de que meu cliente foi, de maneira torpe, convencido por um amigo a fazer o que todos nós sabemos.

Após apresentação da defesa, foi a vez da advogada de acusação apresentar sua tese.

___ Senhores jurados, como advogada de acusação, devo lembrar aos senhores que o Sr. Arthur Alencar é um réu, e não devemos aceitar o que o seu advogado quer nos impor: transformá-lo em vítima.

Mediante a bardena generalizada na sala de julgamento e nas galerias de pessoas a favor de Arthur Alencar, o juiz ameaçou evacuar o recito.

___ Silêncio no recinto! Quero lembrar aos presentes que, como juiz, não vou admitir desordem. E, Aos senhores advogados, peço que, para o bom desenrolar deste julgamento, façam entrar a primeira testemunha.

___ O senhor jura dizer a verdade, nada mais que a verdade?

Antes de responder, Ricardo olhou demoradamente, com os olhos lacrimejados, para Arthur Alencar.

___ Sim, juro dizer somente a verdade!

___ Senhor Ricardo, o senhor conhece o senhor Arthur Alencar?

___ Conheço sim senhora.

___ Vocês se conhecem de onde?

___ Somos amigos há cinco anos.

___ Amigos como?

___ Protesto meritíssimo, a minha nobre colega está levando o interrogatório para o lado da intimidade do meu cliente.

___ Protesto aceito. A promotora deve se limitar no assunto da fraude da Caixa Econômica. A questão da opção sexual do réu não esta em questão.

___ A idéia de penhorar bijuterias como jóias legítimas na Caixa Econômica foi do senhor ou do seu, digamos... amigo, senhor Arthur Alencar?

___ A idéia foi minha. Todo plano foi traçado por mim. Arthur relutou muito para pôr em pratica, mas eu insisti até convencê-lo.

___ Não tenho mais perguntas meritíssimo, por mim a testemunha está dispensada.

___ Façam entrar a próxima testemunha, professora Bárbara Marcondes.

___ A senhorita jura dizer a verdade, nada mais que a verdade?

___ Juro!

___ A senhorita conhece o meu cliente, o senhor Arthur Alencar?

___ Não. Não conheço. Pelo menos, não o conhecia até agora! Antes somente de nome.

___ Se não o conhece, como a senhorita foi rolada no processo como testemunha?

___ Eu sou noiva do Ricardo, amigo do senhor Arthur.

___ O que a senhorita sabe sobre a fraude do ouro de tolo, como ficou conhecido o caso das jóias falsas da Caixa Econômica?

___ Sei o que todo mundo sabe. Ricardo forçou o Arthur a aceitar bijuterias como jóias verdadeiras, foram oito cartelas, dando um total de mais de R$ 23.000,00 reais.

___ Para que o senhor Ricardo queria todo esse dinheiro?

___ Para pagar dívidas aos traficantes, ele estava sendo ameaçado de morte.

___ O senhor é Ricardo é viciado?

___ É.

___ Na sua opinião, por que o senhor Arthur Alencar deixou-se ser chantageado pelo o senhor Ricardo?

___ Por amor! Arthur gosta muito do Ricardo. Por ele, Arthur foi capaz de ser conivente com esta fraude, ele maculou seu histórico de homem idôneo. O Djavan tem uma estrofe em uma de suas músicas, que talvez resume a relação entre Arthur e Ricardo. “Por se exato, o amor não cabe em si. Por ser encantado o amor revela-se. Por ser amor, invade e fim”. É isto: por amor, as pessoas fazem loucuras.

segunda-feira, 3 de março de 2008

LEMBRAÇA DE MARÇO

Março sempre me traz uma lembrança, que se traduz em felicidade para minha vida. Há exatos 10 anos eu fui ordenado presbitério da Santa Madre Igreja Católica, em Brasília. Sem dúvida o dia 03 de março de 1998, é a mais indiscretivel celebração da minha vida:"tu és sacerdote eternamente, segundo ordem de Melquisedeque", repetiu as palavras do profeta, meu bispo ordenante, Dom Luiz Mendes de Castilho.