sexta-feira, 25 de abril de 2008

POESIA DUAS VEZES POESIAS

A AMBIGUIDADE DAS CORES

As cores não são sinais
elas são pontos indiciáveis da visão.
São elas viajens imagináveis
do desejo implícito descrito nos olhos.
Suas formas são abstratas
desenhadas na direção contraria do que se vê.
A diversidade opaca das cores
muda a ambigüidade de quem a vê
pela óptica do sistema inacabado.



AVANÇADO ESTADO DE DECOMPOSIÇÃO


As pedras rolaram
Soube os pés
E soterraram o corpo inerte.
Sufocado pela agoniação da falta de ar
Retorceu-se no cubículo espaço físico.
Um punhado de terra entrou
Na boca rígida entreaberta
E escorregou pela garganta costurada.
Os vermes passeiam sobre a fria carne
Gunindo em forma de gás sulfídrico
Exposto á intempérie putreficado.
A matéria orgânica
Desencadeiam os restos mortais
E desintegram o que não tem mais vida.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

POESIA - INCUMBÊNCIAS

Não vou tripudiar em cima dos cardáveis,
deixem isso para os abutres
das terras dos homens incrédulos.
Hoje beberei o vinagre,
oferecido no banquete das serpentes
enroladas nos pescoços invertebrados.
Atravessarei a maré da agonia
com a cabeça exposta na embarcação
feita de sal para dilacerar as feridas,
e maldizer o ventre que gerou a dor.
As asas cortadas
não suportaram ao peso do meu corpo
fardo de outras vidas, vidas esquecidas.
Retirara das suas incumbências
meu rosto transfigurado, minhas vestes rasgadas
e as nocivas lembranças de outrora.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

CONTO - LAÇOS DE AMIZADE

Conto escrito em 21/04/2000.


LAÇOS DE AMIZADE

Assim que chegou à Rodoviária Novo Rio, Emílio foi direto ao guichê da Empresa de Ônibus Sameiro que detinha o direito da linha: Propriá – SE / Rio de Janeiro – RJ. A atendente confirmou que a chegada do ônibus estava prevista para às 10h30. De posse da informação, Emílio foi para o segundo piso do terminal rodoviário, encostou-se no parapeito, que dava visão ampla da área de desembarque. Retirou um cigarro do maço, acendeu, tragou-o e soltou a fumaça para o alto, enquanto relembrava seu passado.
A contínua chegada de ônibus das cinco regiões brasileiras fazia com que o terminal ficasse intransitável. Eram milhares de pessoas que chegavam, outras que partiam e mais tantas que aguardavam a chegada de parentes ou amigos.
Emílio estava ali para recepcionar seu amigo de infância, Wellington. Na verdade, Wellington era mais que amigo, o irmão que Emílio nunca teve, pois ele era filho único. Ambos tinham a mesma idade, nasceram no mesmo dia, e estudaram do pré-escolar ao 2º grau juntos, enfim, só se separaram quando Emílio veio tentar a sorte na Cidade Maravilhosa, fato ocorrido há quinze anos. Emílio teve um considerável progresso financeiro e profissional. Já era proprietário de um conjugado na Rocinha e trabalhava como supervisor de serviços gerais no rico condomínio American, em São Conrado, na Zona Sul. Emílio recebeu a carta de Wellington pedindo respaldo para que ele também viesse para o Rio de Janeiro em busca de uma oportunidade de vida melhor, pois ele havia se casado e era pai de uma criança de 1 ano e os três estavam passando grandes necessidades, inclusive fome. Diante do fato de penúria apresentado pelo amigo, Emílio não pensou duas vezes, não só deu o aval para o amigo vir, mas também mandou o dinheiro da passagem.
Mergulhado nas lembranças, Emílio não viu quando o ônibus entrou na área de desembarque. Foi surpreendido com os gritos de Wellington.

___ Emílio... Emílio, aqui embaixo... É assim que você ia me receber com festa?

___ Oh meu amigo, perdoe este meu deslize, de fato eu deveria estar aí embaixo para lhe dar um abraço de boas vindas, assim que você pusesse os pés no solo carioca.

___ Chegue cá...Venha me dar um abraço!

O encontro entre os dois foi de muita emoção. Abraçaram-se, choraram e se abraçaram mais vezes, até cantarolaram a música que cantavam na época de criança, à beira do Rio São Francisco, em noite enluarada.
“Meu papagaio das asas douradas
quem tem namorada brinca / meu papagaio
quem não tem fica sem nada / meu papagaio.
Meu papagaio não tem ouro nem tem brinco
em outras terras eu não finco / meu papagaio
minha terra é Sergipe / meu papagaio!”

Muitos dos presentes, tanto do primeiro e do segundo piso, bateram palmas e, mais uma vez, os amigos se abraçaram.
Emílio começou a perguntar pelas as pessoas que fizeram parte da sua vida, quando morou em Propriá.

___ Diga-me, a como andas seu Zequinha dos Cocos? E a professora dona Lili? Seu Zezé e dona Caçula, como estão? Irmã Eleonora, Irmã Maria José, Irmã Lourdes, ainda estão trabalhando na Pastoral da Educação? E Dom Castro ainda é bispo de Propriá?

___ Heim, calma Emílio! Haverá tempo de sobra para eu lhe dar a ficha de todo mundo de Propriá.

___ Cadê suas malas?

___ Estão lá do outro lado, perto das escadas rolantes, deixei as malas lá para lhe procurar, pois você não estava no portão verde.

___ Você é maluco Wellington? Aqui não é Propriá não. No Rio, se a pessoa não tiver cuidado, os ladrões roubam até o pensamento da gente, imagine malas!

___ Largue mão de ser besta, eu não sou matuto não. Tem alguém tomando conta das malas.

___ Alguém quem, cara pálida? Que eu saiba você não conhece ninguém aqui no Rio, além de mim, para confiar seus pertences.

___ Surpresa! Tenho uma surpresa pra você.

___ Que surpresa?

___ Vamos lá, você vai ver.

___ Então vamos!

Chegando no lado de embarque, no balcão de informações, Emílio viu uma bonita mulher, cabisbaixa, sentada sob as malas, dando de mamar a uma criança. Pasmo não entendendo por que Wellington, sempre caminhando na frente, se direcionando ao encontro da mulher. Quando chegaram diante da mulher, esta assustada levantou a cabeça, fazendo assim, com que Emílio a reconhecesse.

___ Priscila!... O que significa isso, Wellington?

Wellington pegou a criança dos braços da mãe e faz as apresentações.

___ Este é o meu filho, e esta é minha mulher.

___ Como sua mulher e seu filho? Você se casou com Priscila?

___ Sim! Estamos casados há dois anos, e do nosso amor nasceu Emílio. Priscila e eu colocamos o seu nome no nosso filho para homenageá-lo. O chamamos de Emilinho. Não lhe disse que tinha uma surpresa pra você?

___ Realmente eu estou muito surpreso.

Priscila que olhava para Emílio com um olhar de apavoramento nada tinha dito, até o marido lhe obrigar.

___ Oh Flor, cumprimenta o Emílio, nosso amigo e irmão.

___ Como vai você Emílio?

___ Bem! Acho que estou bem!

Emílio, pediu a Wellington que devolvesse a criança para a mãe, para os dois trocarem algumas palavras em particular.

___ Wellington, você me deve algumas explicações. Primeiro, o que a Priscila está fazendo aqui? Segundo, por que você não me contou que a mulher com que você havia se casado era a Priscila?

___ Etá, você e suas perguntas... Oh homem perguntador.

___ Wellington, não subestime minha inteligência. Você me escreve uma carta pedindo guarita para você poder trabalhar aqui no Rio, e você me aparece aqui casado com a Priscila, a mulher por quem fui apaixonado desde a meninice.

___ Nós dois éramos apaixonados Emílio.

___ Sim, nós dois. Entretanto fizemos um pacto, que nem um nem outro, ficaríamos com a Priscila, para não pôr em risco nossa amizade. E você, além de quebrar o pacto, ainda tem um filho com ela, e batiza a criança com meu nome. Tenha santa paciência, isso é demais pra minha cabeça.

___ Acho que fui indigno com você, meu amigo. Se você quiser, eu volto para Sergipe com minha mulher e meu filho daqui mesmo da rodoviária.

___ Sabe Wellington, eu até hoje só tinha um objetivo na vida, que era de ganhar dinheiro, ter uma independência financeira, para poder voltar a Propriá e casar com a Priscila. Pois, quando você me escreveu dizendo que havia se casado, eu pensei que seria com qualquer mulher, menos a Priscila. A mãe dela tinha verdadeira repugnância da sua pessoa, por que você não saia dos cabarés de Propriá.

___ Perdoe-me, Emílio, sei que errei. Vou pegar minha mulher e filho e vou voltar para onde nunca deveria ter saído.

___ Não! Você não vai fazer uma sandice dessa. Você é meu amigo, e Priscila, a partir de hoje, passará a ser somente a esposa do meu melhor amigo!

Ao voltarem para perto de Priscila, Emílio parabenizou-a pelo casamento com seu amigo Wellington e pelo nascimento de Emilinho. Priscila agradeceu a gentileza e acrescentou.

___ Eu não sei se o Wellington já lhe disse, mas além de colocarmos o seu nome no nosso filho, nós também queremos convidá-lo para ser padrinho de Emilinho.

___ Convite feito, convite aceito!

Solicitaram um carregador de malas e foram pegar um táxi, que os levaria à Rocinha. O trajeto se deu pela orla marítima, Priscila se mostrou fascinada pelas belezas naturais do Rio. Pelo o rádio do táxi, foi dada a notícia que estava acontecendo uma inclusão policial na Rocinha e, como era de praxe, os traficantes receberam a polícia com tiros. Como ao conjugado de Emílio ficava logo na entrada do morro, o taxista resolveu aventurar-se na empreitada de entrar na Rocinha. O aparato policial revistava pessoas e automóveis, que entravam ou saiam da Rocinha, a maior favela da América Latina.
Priscila observou que, no conjugado de Emílio, era tudo de bom gosto: móveis, eletrodomésticos e acessório domésticos. Emílio cedeu o único quarto para o casal amigo. Sempre procurando evitar troca de olhares com Priscila. Emílio retirou alguns pertences seus do armário do quarto, depois mandou Priscila arrumar as roupas dela, de Wellington e de Emilinho.
Enquanto Emílio e Priscila faziam as adaptações no conjugado, para melhores acomodações dos novos moradores, Wellington assistia à televisão na saleta e bebia cerveja, uma lata atrás da outra.
Haviam se passado onze meses e ainda Wellington não tinha conseguido emprego, a não ser um bico na quitanda da Rua C, na parte alta da Rocinha. Na quitanda, só trabalhou três semanas, foi dispensado por estar sempre cantando as freguesas solteiras e casadas, o dono do estabelecimento o demitiu antes que acontecesse o pior.
Certa feita, Emílio chegou em casa, por volta das 20h e encontrou Priscila chorando copiosamente e cheia de hematomas por todo o corpo.

___ O que aconteceu Priscila? Cadê o Wellington?

___ Não sei... Ele saiu!

___ Vocês brigaram?

Ela afirmou balançando a cabeça positivamente.

___ E o Emilinho.

___ Tá dormindo no quarto. Emílio eu preciso lhe falar algo.

___ Agora não Priscila, eu tenho que sair pra procurar o Wellington, antes que ele faça mais besteira.

___ Por favor Emílio. Me dê uma chance... Desde que cheguei aqui eu tento falar... Explicar algumas coisas e você, só faz me dispensar.

___ Falar o que Priscila? Você não me deve nenhuma explicação.

Emílio disse isso e foi se retirando em direção a porta, só parou quando Priscila fez uma revelação.

___ Você tem que deixar eu falar. Eu preciso lhe dizer que eu só aceitei me casar com Wellington, por que ele mentiu para mim, dizendo que você havia se casado aqui no Rio e já era pai de filhos.

___ Wellington foi capaz de inventar isso para forçar você a se casar com ele?

___ Foi?! Ele foi capaz... Por isso que ele me surrou quando eu disse a ele que iria lhe contar a verdade. Eu nunca deixei de lhe amar.

Emílio e Priscila ficaram inertes, olhando fixamente um para o outro, até quando ambos decidiram se entregar como homem e mulher, se amaram como só existissem os dois no mundo. Em seguida, Emílio saiu a procura do amigo, andou por ruas e vielas da Rocinha, foi encontrá-lo em uma roda de pagode no bar Parada dos Cornos, bebendo caipirinha. Emílio, tomado por uma ira nunca vista antes nele, foi a via de fato, arrastou o amigo pela camisa, para fora do bar, jogou-o na rua e os dois começaram a rolar no chão, trocando socos.
A turma do deixa disso interveio e conseguiu separar os brigões.

___ Emílio, o que o sergipano lhe fez pra você agir assim? Você sempre foi tão ponderado, aqui na Rocinha todo mundo lhe admira, justamente porque você é equilibrado e muito sensato. Vão para casa tomar um banho, vocês estão todo enlameados.

Esta fala foi dita por Tarcísio, líder comunitário da Rocinha, e um dos homens que ajudou a apaziguar os ânimos de Emílio e Wellington. Na Rocinha todos chamava Wellington de Sergipano.
Naquela noite, nenhum dos três falaram qualquer coisa entre si. O silêncio se apossou do conjugado. Mal amanheceu o dia Emílio saiu de casa, tinha passado toda a noite em claro, e chegou a uma conclusão. Foi até a administradora do condomínio e pediu as contas do emprego, o síndico, que lhe tinha bom apreço, tentou, em vão, dissuadir Emílio da idéia da demissão. Emílio foi irredutível no que queria.

___ Dr. Hugo Leonardo, eu queria, se possível, que o senhor aceitasse como meu substituto o meu amigo Wellington. Eu já havia pedido ao senhor, e o senhor me prometeu que, assim que tivesse uma vaga, o senhor o encaixaria no quadro de funcionários do Condomínio American!

___ Só pra mim entender melhor... você está pedindo as contas, somente para eu contratar esse seu amigo?

___ É!

___ Você não existe Emílio! O Brasil passa por uma monstruosa demanda de emprego e você larga um emprego de 15 anos, para ceder seu lugar a um amigo. É isso mesmo que você quer?

___ Este meu amigo tem capacidade para dar continuidade ao meu estilo de trabalho, o qual lhe agrada, assim como também aos condôminos. Portanto, peço-lhe que o contrate, ele é um pai de família honrado, honesto, por ele eu me responsabilizo.

___ Se é uma pessoa indicada por você Emílio, eu contrato. Você é um ser humano ímpar, Emílio. Um homem de grande coração. Durante os 15 anos de serviços prestados, honrou-nos com seu trabalho e com sua idoneidade. Mediante a esses fatos, eu farei o seguinte, em vez de você ser desligado do condomínio como se tivesse pedido as contas, desta forma, você perderia alguns direitos trabalhistas, eu mandarei você embora, você ganhará: fundo de garantia, seguro desemprego, mais os 40%. Se eu pudesse, eu contratava seu amigo, sem dispensar você, mas o estatuto do condomínio não permite a contratação de mais de doze funcionários, como todos os dozes funcionários são empregados há anos, e não existe nada que possa desabonar suas condutas, eu não posso dispensá-los só por dispensar.

___ Eu agradeço a sua benevolência Dr. Hugo Leonardo.

Emílio voltou para casa e fez a comunicação, a tarde, os dois amigos foram a administradora do condomínio. Emílio para receber sua rescisão e Wellington para ser admitido.
Os amigos ao saírem da Administração pararam em um quiosque na praia. Emílio pediu um coco e Wellington solicitou uma cerveja, no decorrer da conversa, Emílio revelou suas intenções.

___ Agora que você tem um emprego... que se diga de passagem um bom emprego, eu posso seguir meu caminho.

___ Não estou entendendo compadre! O que o senhor quer dizer com seguir seu caminho?

___ Eu vou voltar pra Propriá... Esses 15 anos deu pra ajuntar um bom dinheiro, vou botar um comércio em Propriá.

___ E o seu apartamento?

___ Você continuará morando lá com sua família, em troca me pagará um aluguel, afinal de contas você agora tem emprego e salário.

___ Você pode ir despreocupado, compadre, que todo mês eu vou depositar o dinheiro do aluguel e mais um pouco de dinheiro para ir abatendo na enorme dívida que tenho com o senhor.

___ Você não me deve nada!

___ Como não! Você sustentou a mim, a minha mulher e ao meu filho, até o berço do meu filho, foi você quem comprou.

___ Não há necessidade nenhuma de você me ressarcir das despesas que, por ventura, tive com você, com a comadre e com meu afilhado. Tudo que eu fiz, fiz com o coração, fiz pela nossa amizade. O depósito do aluguel é o suficiente.

___ Obrigado, amigo, por tudo. O que você fez por mim nem meu pai, se fosse vivo, faria. Você viaja quando?

___ Hoje à tarde.

___ Assim tão depressa?

___ O tempo urge.

___ Então vamos lá em casa, para você se despedir de Priscila e de Emilinho.

___ Não! É melhor não... Prefiro que você leve meu abraço e meu beijo aos dois.

___ E suas roupas, você não vai pegar?

___ Doe para a Associação de Moradores, lá eles doarão aos mais necessitados.

Os dois se abraçaram e choraram, Wellington não parou de agradecer ao amigo. Depois, Emílio pegou um táxi em direção ao Aeroporto Tom Jobim. Chegando ao aeroporto, Emílio foi direto ao porta-volumes, de onde retirou três malas e se dirigiu ao chekin, despachou as malas e foi a sala de espera aguardar o vôo que o levaria de volta a Sergipe, após 15 anos de ausência. Emílio havia planejado tudo milimetricamente em nome da amizade.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

POESIA - GARGALHO PONTIAGUDO

Cadê aqueles dias de sorrisos abertos?
Que me faziam acreditar na esperança. Cadê?
Para que servem os amigos?
Se não for para chora a dor alheia
provocada pela queda livre
rumo ao gargalho partido ao meio.
É a vida feita de vidro?
Estraçalhado encima do murro
em pontiaguda estratégia.
Cadê as mãos estendidas?
Onde guardei meu futuro. Cadê?
Não me serve de consolo às migalhas
esquecidas nas portas das igrejas
porque fui eu que construí os templos.
Recaia sobre nós os trovões para rachar a fé
os relâmpagos para abrir ao meio
o mar que existe em nós.

sábado, 12 de abril de 2008

CONTO - DITADO PELO ESPÍRITO LUCAS RAMALHO

Conto escrito em 26 de junho de 2000, em Itacuruçá/RJ.


DITADO PELO ESPÍRITO LUCAS RAMALHO


Tomei tudo que foi remédio para provocar o aborto, e nada de dar certo. Não queria ter aquele filho. Não queria, e não tinha a mais remota condição financeira para criá-lo. O filho da puta do Lucas me comeu de tudo que foi jeito e escafedeu-se. Tudo bem que não foi ele quem tirou meu cabaço, eu já tinha sido desvirginada pelo meu irmão mais velho.
Minha mãe descobriu através de uma professora da escola onde ela é merendeira, que em Itacuruçá, distrito de Mangaratiba, um médico fazia aborto em clínica clandestina por R$ 1.200,00. Eu acho relativamente barato o preço do tratamento, partindo do princípio que eu gastaria muito mais com fraldas descartáveis durante um mês. Paguei o que o médico cobrou e ele tirou de dentro de mim o filho do filho da puta do Lucas.
O dinheiro para pagar o médico, metade, meu irmão mais velho deu e a outra parte minha mãe bancou. Não fizeram mais que a obrigação deles. Na nossa casa, em Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro, eu sou feita uma escrava: cozinho, lavo, passo, arrumo a casa e ainda cuido do meu pai, que vivi entrevado na cama com derrame cerebral, e do meu irmão caçula de oito anos. Faço tudo sozinha sem ganhar um vintém furado.
Quando sai da clínica clandestina, em direção ao ponto de ônibus da empresa Costa Verde com minha mãe, avistei de longe Lucas. Ele estava de shorts e sem camisa, descarregando peixes de um barco pesqueiro. Então foi aqui em Itacuruçá que o filho da puta veio se esconder! Pensei comigo mesma. Não contei à minha mãe que tinha visto Lucas.
Meu irmão mais velho parece maluco, mesmo sabendo que eu havia feito um aborto naquele dia, ele veio pra cima de mim, de noite, com o pau duro querendo enfiar no meu rabo. Jurei para ele que depois que eu ficasse boa não me deitaria com homem nenhum, só com ele. Só seria dele, de mais ninguém. Porém, ele tinha que atender um pedido meu: matar o Lucas.
Dei toda a ficha, disse a ele onde Lucas estava escondido. Na mesma hora, ele convocou alguns colegas da polícia. Meu irmão é policial civil. Eles partiram para Itacuruçá. No cais, perguntou ao um senhor, que remendava a rede de pescar, quem era Lucas Ramalho. Meu irmão nunca tinha visto o Lucas, ele não deixava eu namorar. Disseram que Lucas estava em um quiosque do calçadão numa roda de pagode com amigos cantando e bebendo!
Apresentaram-se como policiais mostrando a documentação. Quando Lucas foi identificado deram voz de prisão. Levaram para a parte deserta da praia e o assassinaram friamente, com vários tiros na cabeça. Em seguida jogaram o corpo de Lucas Ramalho no mar. No mesmo mar onde mais cedo jogaram o feto que seria o seu filho.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

POESIA - A BELLA FLOR DE ABRIL

A BELLA FLOR DE ABRIL

Para Isabella Oliveira Nardoni, in memoriam


Um dia a perversidade invadiu o jardim
e arrancou a flor mais bella
em seguida despetalou a graciosa flor
deixando-nos sem seu perfume jasmim.
Não tem mais o jardim a mesma beleza
somente uma lacuna deixada pela a bella flor
que partiu com prematura idade
asfixiada pela fúria desalmada.
Impossível não sentir tristeza
pela brusca perda da bella flor
ceifada covardemente na calada da noite
provocando um rastilho de dor.
As crianças não brincarão no jardim em abril
pois não terá a celebração
do nascimento da bella flor
restou a saudade perpétua de quem sempre a amou.
Há de replantar o jardim para que renasça o amor
no coração dos homens que destruíram o jardim
e aniquilaram a mais bella flor.