sábado, 23 de julho de 2016

 A LÁGRIMA CLARA SOBRE A PELE ESCURA

De todas as intolerâncias a mais abominável delas é o racismo. Somente pessoas parvas praticam discriminações por causa de cor da pele. É inconcebível que, nos dias de hoje, onde o mundo todo cabe na palma das nossas mãos através das novas tecnologias, ainda nos deparemos com cenas horrendas de racismo.  Esta semana, infelizmente, fui espectador de um episódio grotesco, dentro de um supermercado da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, que mais me pareceu um reboot das tristes histórias vivenciadas outrora no Brasil. Pasmem: uma senhora, com idade presumível de setenta anos, elegantemente vestida com exímio bom gosto, por discordar da demora do andamento da fila (que deveras estava andando a passo de tartaruga) foi até o checkout do caixa e mandou chamar o gerente. Não demorou muito para um rapagão destemido de raça negra e de beleza estonteante se apresentar como subgerente do supermercado, uma vez que o gerente estava em horário de almoço. Depois de ouvir os queixumes da cliente reclamante, o subgerente, de maneira afável, pediu desculpas pelos transtornos e fez todos da fila ficarem cientes de que, por ser um horário de pouco movimento no supermercado, alguns checkouts estavam fechados porque as operadoras das caixas registradoras estavam em horário de almoço. Após o subgerente dar as devidas justificativas, a cliente reclamante que não aceitou o pedido de desculpas e muito menos as justificativas do subgerente, começou a debulhar uma série de impropérios com forte teor racial. Ela começou a alardear, aos gritos, entre tantos outros absurdos impublicáveis, que não era à toa que ele era um incompetente e um reles subgerente de supermercado, pois por ele ser preto, nasceu para estar abaixo, ser capacho, ser pobre e ser favelado. Diante daquela insólita cena, não somente o jovem subgerente ficou cético, como todos nós que estávamos na fila, ao ponto de sairmos em defesa do subgerente, que ouviu todas as ofensas gratuitas sem alterar seu comportamento de fino trato. Depois que percebeu que lágrimas escorriam no rosto do subgerente, um dos clientes da fila ligou para o 190 e solicitou uma viatura com policiais. Carl Jung nos ensina, através dos seus escritos, que: "um homem saudável não tortura os outros. Em geral, é o torturado que se torna o torturador". Ficou nítido para todos nós que aquela senhora trazia consigo problemas de complexos psíquicos que mexiam com suas emoções e manifestava desafios de enfrentamento pessoal. Entretanto, a atitude da mencionada senhora racista extrapolou todos os limites da compreensão humana. Assim que os policiais chegaram ao supermercado e ficaram cientes do fato ocorrido, sem mais delongas, levaram na viatura a senhora autora da prática racista e o subgerente do supermercado que fora vítima de racismo para registrar, na delegacia, a queixa crime do ato sofrido. Nunca é demais fazer lembrar que o crime de racismo é inafiançável e abominável. E, não obstante, de forma categórica e peremptoriamente, devemos repudiar veementemente, com incomensurável indignação, qualquer insinuação ou ilação à prática de tal crime. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

terça-feira, 12 de julho de 2016

UMA AMIZADE ESPIRITUAL

Conheci o Prof. Ataualpa Filho no início dos anos 90, em uma Livraria-sebo, que funcionava na sobreloja da Galeria Santo Antônio. Éramos assíduos frequentadores do referido estabelecimento comercial. Quando ocorria nosso encontro, o proprietário da Livraria-sebo sempre brincava conosco, fazendo gracejo com sotaque nordestino, dizendo: “-Oxente, arrepara! Dois poetas nordestinos cabras da preste. Cadê a peixeira?”. E isso aconteceu reiteradas vezes. Até que um dia passei por cima da minha contumaz timidez e perguntei se ele poderia fazer a revisão dos originais do meu livro: Contemplação / Poesias Teológicas. Ele, com sua peculiar finesse, não colocou objeção alguma e aceitou a incumbência. Na data marcada para me devolver os originais revisados, sentamos num banco que havia no corredor da Galeria Santo Antônio e ouvi elogios acerca dos meus escritos. Fiquei tão emocionado com os elogios recebidos que me senti tomado por grande regozijo, pois a opinião do Prof. Ataualpa Filho que, já naquela época, era um notório intelectual aplaudido em Petrópolis, correspondia a um prêmio. Devo ressaltar que o professor não quis receber pagamento pelos préstimos de revisor dos meus originais. Insisti em efetuar o pagamento e ele não quis. Indubitavelmente, ele foi e continua sendo um homem desapegado a bens materiais. A amizade que ele oferece é gratuita. Não pede nada em troca. Não tem interesse em angariar presentes. O Prof. Ataualpa Filho foi o primeiro intelectual com quem tive contato em Petrópolis. Por consequência, conheci os demais intelectuais: Prof. Paulo Machado, Prof. Monsenhor Paulo Daher, Profa. Carmen Felicetti, Prof. Gustavo Wider, Prof. Fernando Magno, Profa. Christiane Michelin, Prof. Antônio Taulois, Profa. Vera Abad, Prof. Luiz Carlos Gomes, Prof. Paulo Cesar dos Santos, Prof. Leandro Garcia, Prof. Humberto Leal, Profa. Catarina Maul e Prof. Gerson Valle. No final dos anos 90 perdi o contato com o professor. Saí de Petrópolis para estudar fora. Retornando à cidade, reencontrei o mestre já na condição de confrade da Academia Petropolitana de Letras e da Academia Brasileira de Poesia. Entretanto, somente no primeiro semestre deste ano, foi que eu descobri algo que, até então, desconhecia completamente sobre o professor: ele é um homem, dos pés à cabeça, portador de uma vocação de missionariedade leiga, à flor da pele. Sua vocação de missionário leigo é bela e é uma autêntica resposta de um sim diante do chamamento de Deus para cumprir a missão que lhe é confiada. Trata-se do mesmo chamamento vocacional que está descrito no Livro do Profeta Jeremias 1:5: “Antes que no seio fosse formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu te havia consagrado”. Foi em um sábado que encontrei, casualmente, Prof. Ataualpa Filho, na rua do Imperador. Ele usava uma camisa de malha com a estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Primeiramente, ele me convidou para o lançamento do livro “Filosofia do povo / Sabedoria de vida”, de autoria do Prof. Monsenhor Paulo Daher. Em seguida conversamos horas a fio sobre devoção mariana, sobre fé e sobre espiritualidade. E devo confessar que fiquei extasiado com toda sua sabedoria de conhecimento teológico. Repito, eu desconhecia completamente que ele era dono de uma religiosidade tão arraigada, de uma fé incomensurável. Portanto, para meu imenso contentamento, além da sua grandiosidade intelectual, o professor também é um missionário leigo engajado, com uma espiritualidade enraizada no amor ao próximo. Ele tem me oferecido lições de espiritualidade de valor incalculável. Aqui afirmo sem titubear: o que tenho aprendido com ele, quando dos nossos encontros, é mais precioso do que eu aprendi no meu mestrado de Ciências da Religião e no meu doutorado em Teologia Bíblica. O Prof. Ataualpa Filho tem, literalmente, uma alma e um coração franciscanos. Quando escrevo franciscano, não estou me referido à Ordem dos Frades Menores, estou me referido ao próprio São Francisco de Assis. E assim como São Francisco de Assis, ele vive e prega a simplicidade, a partilha e a união. Diferente do que nos ensina, persistentemente, o status quo: o consumo, o acúmulo e a competição. Certa feita, estávamos o professor e eu, conversando na Praça Paulo Carneiro, quando, de repente, um morador de rua, se aproximou do professor e o cumprimentou. E o mestre correspondeu às expectativas do excluído da sociedade com extremo zelo e afeto. Sendo eu um espectador daquela comovente cena em via pública, mais uma vez, me fez sentir um ser humano melhor com aquele seu gesto acolhedor para com um desvalido. Poucos sabem, mas ele foi um fiel escudeiro do saudoso Pe. Quinha. Com este sacerdote de Cristo, que já se encontra na casa de Deus, o professor percorreu os mais diversos bolsões de pobreza levando não somente alimento para o corpo, como também o essencial, que é o alimento para a alma. Não me farto em afirmar e reafirmar: nada, absolutamente nada, nos deixa tão próximos do rosto de Deus do que a prática da caridade. São Filipe Néri já dizia: “quem pratica a caridade ganhará o Paraíso”. Acerca de São Filipe Néri faço saber que quando era padre, recusou o convite do Papa para receber o cardinalato. Optou ele em ficar cuidando dos pobres e rejeitados. A caridade sempre pontuou sua vida de sacerdote de Cristo. Tenho orgulho de ser um discípulo, no aprendizado, do Prof. Ataualpa Filho. Seus gestos, suas ações e seu amor ao próximo são exemplos a serem seguidos. Rogo a Deus que me conceda sempre a graça de poder ter o privilégio de compartilhar sempre da sua convivência, dos seus ensinamentos e da sua amizade. Tenho plena convicção de que nossa amizade é uma amizade espiritual. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

sábado, 9 de julho de 2016

NEM OS ANJOS TÊM AO CERTO A MEDIDA DA MALDADE

Em seu livro "A origem das espécies", Charles Darwin escreveu: “O homem, em sua arrogância, pensa de si mesmo como uma grande obra, merecedora da intervenção de uma divindade". Ao ler essa frase lembrei-me, simultaneamente, de um indivíduo que eu conheci outrora, na cidade de Codó, no estado do Maranhão. O que narrarei aqui não se trata de um onirismo, mas sim de alguém real, que atendia pelo nome de Aparecido.  Aparecido, para os desprovidos de conhecimento da sua verdadeira face, se passava por um católico fervoroso acima do bem e do mal. Todos os santos dias, com sua peculiar iniquidade, mesmo que chovesse canivete, não abria mão de participar da celebração da santa missa. Para ser visto por todos os demais presentes, sempre se sentava na primeira fileira dos bancos da Igreja. Na hora de receber a comunhão, tomado por um suposto zelo piedoso, com o terço da Virgem Maria entre as mãos postas, entrava na fila como se fosse o homem mais imaculado da Terra. Em sua visão distorcida de entendimento, contrário do que nos ensina o Catecismo da Igreja, para Aparecido, ajoelhar-se no confessionário para confessar os pecados a um Padre era para os pecadores. Não era coisa para ele, que tinha plena convicção da sua pureza de corpo e alma. Mas quem o conhecia na intimidade, sabia que ele era a personificação de um lobo em pele de cordeiro. Aparecido fazia desagregação entre seus pares. Praticava maledicência sem dó nem piedade. Diariamente, fazer futricagem da vida alheia era o seu deleite. Enfim, não passava de um autêntico sepulcro caiado, tal qual está descrito por Jesus Cristo no Evangelho segundo São Mateus. Poucos tinham conhecimento de que ele era exacerbadamente materialista. Apesar de viver cercado de imagens de anjos, santos e santas de Deus, somente o vil metal era o que lhe causava devoção desmesurada. Dentre tantos transtornos psíquicos que caminhavam lado a lado consigo, sua vaidade aos extremos estava impregnada da cabeça aos pés. Fui testemunha ocular e auditiva destas afirmações proferidas pelo próprio Aparecido: “- Ninguém se veste tão bem quanto eu. Ninguém escreve textos literários tão bem quanto eu. Ninguém é tão magnânimo quanto eu. Ninguém é tão temente a Deus quanto eu. Ninguém consegue fazer nada melhor do que eu, quando me proponho a fazer.” E assim sendo, Aparecido era o retrato vivo da  prepotência, da falácia, da hipocrisia, da arrogância, da presunção, da leviandade e do desamor ao próximo.  E assim viveu Aparecido, envolto em toda sua egocentricidade. E por tê-lo conhecido de tão perto é que posso afirmar, em gênero, número e grau: nem os anjos têm ao certo a medida da maldade que um ser humano é capaz de praticar. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

sexta-feira, 8 de julho de 2016

PROCLAMAÇÃO DO AMOR

Sempre ouvi dizer que "não há atalho para felicidade". E não há mesmo! Enquanto estava fazendo meu jogging matinal, nos jardins do Museu Imperial, pude me certificar dessa verdade irrefutável. Meus olhos sempre foram transmissores de bons sentimentos. E não foi deferente quando enxerguei Emily, sentada em um dos bancos dos jardins, mergulhada na leitura do livro "Musgo e Vento", do poeta Fernando Magno. Emily, a minha Emily de trinta e cinco anos atrás. A mesma por quem fui apaixonado perdidamente e de quem tive que abrir mão por causa de um preconceito enraizado nas pessoas desde que o mundo é mundo: gente pobre não pode amar gente rica. Ledo engano quem pensa que o amor não tem suas próprias vontades. O amor é o único sentimento que cria suas próprias regras. E uma dessas regras é que o amor, quando é verdadeiro, é perseverante. Minha história de amor com Emily está inserida no contexto desta frase da escritora Françoise Sagan: "amei até ao ponto da loucura, aquela a que se chama loucura, que para mim é a única forma sensata de amar". Esta é uma abjeta expressão da verdade. Depois de longos trinta e cinco anos, novamente estou diante Emily. Não a procurei durante todos estes anos, mesmo não havendo um só dia já vivido, depois da nossa separação, que eu não tivesse lembrado do meu incomensurável amor por ela. Mesmo assim, cumpri o acordo que minha família, paupérrima, fez com a família afortunada de Emily. Acordo este assim averbado: os pais de Emily se comprometeram a pagar a minha faculdade de medicina, incluindo os caros livros, desde que a cursasse em outra cidade. Após a concordância aferida, minha família e eu fomos embora de Petrópolis, sem olhar para trás. Todavia, hoje, já sendo eu um médico conceituado, estando em Petrópolis somente como palestrante de um Congresso de Medicina, o destino se encarregou de promover nosso reencontro nos jardins do Museu Imperial. Apesar da passagem do tempo, Emily continuava dona de uma inconfundível beleza. Será que ela me reconheceria? Ainda continuaria vivo nas suas lembranças? O que fez Emily durante estes trinta e cinco anos? A princípio, confesso que fiquei imensamente receoso de me aproximar dela. Quando tomei coragem de ir ao seu encontro ou, pelo menos, passar bem próximo ao banco onde ela estava sentada e lendo, fui dissuadido por um gesto de uma criança, presumivelmente de sete anos de idade, que surgiu, como num passe de mágica, com os abraços abertos, alardeando para quem quisesse ouvir: - Vovó, vovó Emily, meu nariz está sangrando. Veja! - Oh, meu Deus! O que aconteceu, Joaquim. Você caiu? - Não, vovó, eu não caí, simplesmente meu nariz começou a sangrar, do nada! - Calma, calma! Por Deus, há de não ser nada de grave. Em um rápido espaço de tempo aglomeraram-se, em volta de Emily e da criança, inúmeros curiosos. Como médico, não podia ficar sem oferecer meus préstimos àquela criança. Meu Juramento de Hipócrates falou mais alto, não pestanejei, dei um chega pra lá na minha timidez contumaz e fui socorrer o neto de Emily. - Com licença, eu sou médico. Posso examinar a criança? Para minha surpresa, enquanto fazia algumas observações para constatar o motivo do sangramento no nariz do menino, Emily fixava continuamente os olhos em mim. Após fazer as observações, puder ter certeza absoluta que o sangramento nada era além de uma simples epistaxe provocada pela mudança brusca do clima. Limpei o nariz da criança (o sangue já havia estagnado) com lenços de papel que sempre carrego comigo para secar o suor. - Pronto, resolvido o problema! Como é o seu nome, jovem rapaz? - Meu nome é Joaquim! E esta é minha avó Emily. - Pronto, Joaquim, pode voltar a brincar, seu nariz não vai mais sangrar. - Obrigado! - Vovó, posso voltar a brincar? - Bem, se o Dr. Dionísio Marcondes lhe deu autorização, quem sou eu para dizer o contrário? Pode ir brincar, querido. Todavia, não se afaste muito da minha visão. - Esta bem, vovó querida! Assim que a criança afastou-se e os curiosos se dispersaram, não contive minha emoção por estar diante da mulher que sempre amei. A única que amei. - Emily! Você me reconheceu... você me reconheceu, meu amor! -Não seria amor o que sempre senti por você, desde o momento em que nos conhecemos, se eu não o reconhecesse. Mesmo passados trinta e cinco anos sem nos vermos... Poderiam até ter-se passado milênios. Quem ama verdadeiramente, nunca esquece aquele por quem se tem amor. Nunca! Porque um grande amor é eterno. Eu sabia, eu sempre soube, um dia, o nosso amor, nosso grande amor, se encarregaria de nos unir novamente. - Emily, temos tanto a conversar! Preciso lhe explicar as razões que me fizeram sair da sua vida de forma tão abrupta. - Não, amor, não há necessidade alguma de que me dê explicações. Eu estou ciente de que meus pais foram ardilosos e arquitetaram um plano para nos separar. - Mas eu fui covarde. Eu não mereço seu amor, Emily. Eu abri mão do meu grande amor por você em troca de dinheiro. Eu tinha a obrigação de lutar pelo nosso amor. Começando por demover meus pais da decisão de aceitar dinheiro de sua família. - Amor, amor, pare com essa sofreguidão. Não se culpe por nada. Se não fosse o dinheiro que minha família deu para seus pais, hoje você não seria o médico renomado que é. Por que você está tão surpreso, amor, por eu saber coisas da sua vida? Eu sei de tudo sobre você. Sei que você nunca casou. Sei que você se guardou para mim. O mesmo que eu fiz durante estes trinta e cinco anos. - Mas se você guardou-se para mim, como tem um neto? - Esta doce criança que você conheceu não é meu neto consanguíneo. Ele é filho da Vilma, senhora que trabalha na minha casa. Joaquim, desde que nasceu, convive comigo e, desde que aprendeu a falar, me chama de vovó. - Emily, se você sempre soube tudo da minha vida, por que não me procurou, meu amor? - É simples. Eu não lhe procurei, amor, porque você precisava construir uma carreira médica sólida, ser respeitado. E conseguiu, amor! Você conseguiu, Dr. Dionísio Marcondes. Hoje, é um médico respeitado aqui no Brasil e fora dele. É dono de um dos hospitais mais sofisticado do país. Agora você é um homem rico. Tem mais dinheiro do que minha família, e ninguém, ninguém poderá dizer que seu amor por mim é por causa do dinheiro que tenho. E, além disso, uma das virtudes do verdadeiro amor é a perseverança. Tal qual está bem definido na estrofe da música da autoria de Chico Buarque:   "O amor não tem pressa Ele pode esperar em silêncio Num fundo de armário Na posta-restante Milênios, milênios No ar." Após Emily cantarolar a estrofe da belíssima canção, beijei-a com toda a intensidade que somente um verdadeiro amor possui. O nosso beijo somente foi interrompido quando percebemos que estávamos em um círculo formado por pessoas que nos aplaudiam. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

quinta-feira, 7 de julho de 2016

OS ÍDOLOS DE LILIAN

Agora estava tudo consumado. Não adiantava negar o óbvio, o nome da minha família estava mesmo atolado num lodaçal. Estávamos tomando o café da manhã quando a governanta trouxe para meu pai o jornal, do qual ele era assinante, dobrado. Para desespero geral, estava na primeira página uma foto, tamanho 10x15, do meu pai com a seguinte legenda: “Este político é um corrupto que desviou mais de R$ 160 milhões de reais dos cofres públicos”. Eu não sei, exatamente, o que são R$ 160 milhões. Eu só sei que tem muitos zeros e, se tem muitos zeros, é porque é uma soma astronômica de dinheiro. De uma coisa eu tenho certeza absoluta, o pessoal do jornal devia ter mais consideração com meu pai, afinal de contas, ele é assinante do jornal há mais de vinte anos. Eles não poderiam publicar a foto do meu pai e, ainda por cima, chamá-lo de político corrupto. Assim que tiver oportunidade, vou pedir ao meu pai que cancele a assinatura do jornal. Durante todo o dia, minha mãe ficou trancafiada no quarto e tomou tantos remédios que estava com a aparência de um zumbi. Meu pai passou horas a fio ao telefone falando com os advogados que cuidavam de sua defesa. E eu fui terminantemente proibida de sair de casa. Ir aos shoppings diariamente era coisa sagrada para mim. Também, mesmo se quisesse sair não poderia: a entrada do condomínio onde morávamos, na Barra da Tijuca, vivia  empesteada de jornalistas querendo, a todo custo, entrevistar meu pai. Para azedar de vez nossa situação, à noite, o “Jornal Nacional” exibiu uma matéria dizendo que papai era o chefe de uma quadrilha formada por políticos que desviavam milhões dos cofres públicos. Ele levantou-se da poltrona xingando Deus e o mundo. Mamãe, como sempre, chorava descontroladamente, deu ordens proibindo os empregados de ligarem a TV,  o rádio e que rasgassem o jornal assim que o jornaleiro fizesse a entrega pela manhã. Pela primeira vez achei o âncora do "Jornal Nacional", William Bonner, feio. Sempre achei que ele era o homem mais bonito do telejornalismo brasileiro. E aqueles cabelos grisalhos... eram um charme a mais... Mas, depois que Bonner falou aquelas coisas horrendas no “Jornal Nacional” sobre meu pai, passei a achá-lo feio. Ele não é mais o meu ídolo. Até rasguei da minha agenda o autógrafo que ele havia me dado, no dia em que ele foi fazer uma palestra no Colégio Santo Inácio, onde estudo desde o maternal. O papai é o melhor pai do mudo. Tudo o que eu peço ele me dá. Nunca diz não! Eu aproveito a condição de ser filha única, pelo menos legitimamente. É que meu pai tem um filho bastardo, que mora em Brasília. As pessoas mais próximas da minha família acham que meu pai está sendo usado como bode expiatório. Há até quem coloque a mão no fogo pela idoneidade dele. O erro que ele cometeu foi confiar excessivamente nos outros, dizem os amigos. Por ser político, vive cercado de gente mal intencionada. Portanto, tudo que ele fez como político, fez dentro da mais completa lisura. Fez tudo com boa fé. Quem garante é o Dr. Abelardo Alcântara, um dos muitos advogados que lutam para inocentá-lo. Toda noite papai vem ao meu quarto, me dar um beijo de boa noite e mesmo se eu estiver dormindo, ele me beija. Naquela noite não foi diferente: mesmo com o mundo caindo em sua cabeça, ele veio até meu quarto com minha mãe e me beijou. Não sei por que, fechei meus olhos e fingi que estava dormindo, ouvi quando ele dialogou com minha mãe: - Temos que tirar a Lilinha do Brasil. - Por quê? Você acha necessário tomar essa medida tão drástica? Ela é apenas uma menina de 13 anos... Tão criança e já tendo que passar por tudo isso... Quando é que viajaremos? - Nós não podemos viajar com ela, nossos passaportes foram apreendidos pela Polícia Federal. - Lilinha vai viajar sozinha para os Estados Unidos? - Não! Lilinha vai viajar com Vilma, nossa governanta. Ela será a tutora da nossa filha. - Mas por que a governanta? Uma mulher nordestina, de nenhuma instrução. - Esta mulher nordestina de nenhuma instrução, governanta da nossa casa, é a dona de toda nossa fortuna. Eu coloquei os R$ 160 milhões em nome da Vilma, em uma conta na Suíça. - Você é mesmo um político corrupto de merda! Como é que você rouba R$ 160 milhões e coloca tudo no nome de uma retirante sem eira nem beira, que mal sabe assinar o próprio nome? - Olha lá como você fala comigo, heim! Será que você não consegue enxergar o óbvio? Justamente por ela ser uma semi-analfabeta é que posso confiar nela. Ela confia cegamente em mim! Vilma assina qualquer documento que eu mandá-la assinar... Agora  vamos. Vamos sair daqui para não acordar a Lilinha. Depois desta cena, não consegui mais abrir os olhos, realmente adormeci, de verdade. No dia seguinte, cheguei à conclusão que aquela terrível confissão do meu pai não passou de um pesadelo, provocado pela turbulência que minha família atravessava. Imagine se meu pai, idolatrado, seria desonesto? Um homem feito meu pai é raro! Sempre preocupado com os menos favorecidos. Eu amo muito meu pai, ele é o meu ídolo. Na manhã seguinte quando saí do meu quarto para tomar café, encontrei várias malas na sala, curto e grosso meu pai falou: - Hoje, às 11h, você embarcará para Miami com dona Vilma, as duas ficarão em nosso apartamento em Miami. Depois, sua mãe e eu iremos ao encontro de vocês. Não esbocei nenhuma reação contrária às ordens do meu pai. Ciente de que eu estava diante de uma situação inconsútil para minha vida, fiquei calada durante todo o trajeto até o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim. Quando o avião levantou voo, vi que tudo que havia acontecido em meu quarto na noite anterior, não havia sido pesadelo, mas sim a incontestável verdade do meu pai. Eu não o amo mais. Eu amo a Vilma, minha tutora. Ela sim é minha ídola. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

terça-feira, 5 de julho de 2016

FORO PRIVILEGIADO

Quase não houve tempo hábil para o deputado federal Tonísio Pontes refazer-se do susto tomado por conta do recebimento do convite para ele depor na Comissão Parlamentar de Inquérito, que investiga a desenfreada corrupção sistêmica no Brasil. E não obstante, o nobre parlamentar também estava sendo chantageado, naquele mesmo dia, pela revista Turbilhão, que detinha em seu poder várias fotos comprometedoras dele em uma boate gay, em Ceilândia, no Distrito Federal. Como um acordo financeiro não havia sido aferido, as fotos seriam publicadas.  - Com chamada da matéria em letras garrafais, na capa da revista Turbilhão, que estará nas bancas amanhã antes da aurora. - sentenciou o jornalista extorsionário.  - “Além da queda, o coice”. - lamentou-se o parlamentar após desligar o telefone na cara do chantagista. Para quem era apresentado no cenário nacional como guardião ferrenho da moral e dos bons costumes, o deputado Tonísio Pontes, até então tido como incorruptível, estava atravessando um legítimo inferno astral. A força egrégora estava impregnada em todo seu ser. O congressista tentava a todo custo arrumar uma solução para seu dilema. Buscou abrigo e orientação nos conselhos do seu amigo e confidente Dom Izauro Fagundes, bispo diocesano de Trilhos Urbanos - BA, sua terra natal e base eleitoral. Ex-seminarista e orador sábio, Tonísio Pontes tinha como bandeira para angariar votos a moralidade e a ética na política. Foi um choque brutal para os incontáveis eleitores baianos e admiradores, no Brasil afora, verem seu nome comprometido em dois escândalos infames. O parlamentar baiano enclausurou-se no seu apartamento funcional em Brasília esperando o desenrolar do calvário pessoal. A maior preocupação de Tonísio Pontes não era a cassação do mandato parlamentar, mas sim a divulgação das fotos picantes dele na boate gay, na Ceilândia, pois sua mãe, uma septuagenária, não suportaria tal desfrute do seu único filho varão. Vendo que tudo estava se encaminhando para a sua derrocada política e moral, sabendo que não havia a mínima chance de recuperar a dignidade perdida, enxergou aquilo que, para ele, era a única saída: começou a arquitetar o plano da sua morte. Como sempre se vestiu impecavelmente, pois era muito vaidoso, com um dos seus muitos ternos Giorgio Armani, como se fosse a uma seção na Câmara dos Deputados. Despediu-se da mãe com muitos beijos e choro, enquanto ela fazia a sesta depois do almoço. Em seguida, dirigiu-se à janela do apartamento, que ficava no 8º andar, e se atirou rumo ao chão. A notícia do suicídio do congressista alastrou-se feito pavio de pólvora e paralisou Brasília. Assim como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal também se esvaziou. Todos queriam ver o corpo do deputado Tonísio Pontes estatelado no chão. A cena vista era de cortar o coração: encontraram a mãe do político suicida chorando copiosamente e agarrada ao corpo, como se quisesse colocar o filho novamente dentro dela para depois devolver-lhe a vida. Então, a genitora do suicida foi amparada pelo deputado Sameiro, parlamentar, amigo e companheiro de noitada do falecido. Os dois eram frequentadores assíduos da boate gay da Ceilândia. - Deputado Sameiro, o meu menino... O meu único filho homem... Por que ele se suicidou? Por quê? Ele foi quase padre, sabia que o suicídio é uma coisa abominável aos olhos de Deus... Quem tira a própria vida não tem direito ao céu. - Calma, dona Edna! Tenha calma! Não esqueça que seu filho é deputado federal e, como tal, tem direito a foro privilegiado. Assim na terra, como no céu! (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

domingo, 3 de julho de 2016

DEUS, UM AMIGO E UM LIVRO

Um sonho me atormentava insistentemente, me perseguia. No sonho eu era gerado no ventre de uma baleia. Uma estonteante e enorme baleia havia me parido! Comecei a ter este sonho persistente depois que ouvi a homilia proferida pelo monsenhor Assumpção, na Missa das 9 h, do último domingo, na Igreja Nossa Senhora do Bom Parto. Na referida homilia o sábio sacerdote fez a citação do Evangelho de São Mateus 12,39-40: "Assim como Jonas esteve no ventre da baleia por três dias e três noites, Ele estaria no coração da terra". A mamãe sempre ralha comigo quando eu falo que vou contar este meu sonho para alguém. Principalmente porque, segundo minha genitora, este sonho é um presságio. Entretanto, mesmo não tendo contado a ninguém sobre meu sonho, além da mamãe, ontem recebi um insólito convite impresso para participar de uma sessão de regressão, uma TVP (Terapia de Vidas Passadas), com a renomada terapeuta francesa, Dra. Alicia Martin, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro e atenderia um seleto grupo de pessoas. No rodapé do convite estava escrito: "Répondezs'ilvousplaît". Mesmo estando descrente em obter êxito em me livrar do sonho repetitivo com a baleia, confirmei presença na sessão de TVP. Assim que adentrei na luxuosíssima sala de espera da clínica, localizada no Leblon, onde a terapeuta francesa estava atendendo, a recepcionista perguntou se eu aceitava um suco, uma água ou um café. Respondi que não e agradeci. A recepcionista, gentilmente, solicitou que eu acatasse um procedimento de boas-vindas e me pediu que retirasse de uma urna dourada um papel de cor branca, tipo cartão de visita dobrado. Ao ler a mensagem que estava escrita no papel certifiquei-me de que era uma estrofe de um poema da poeta mineira Adélia Prado: "Ao escolher palavras com que narrar minha angústia, eu já respiro melhor. A uns, Deus os quer doentes, a outros quer escrevendo." Para mim, indubitavelmente, aquela estrofe era uma incógnita. Não demorou muito a chegar minha vez de ser atendido, apesar de não ter visto ninguém sair de dentro do consultório. Depois tive conhecimento de que os pacientes atendidos pela terapeuta saíam por outra porta, ou seja, os pacientes não se viam. O anonimato era o diferencial oferecido. Fui convidado a entrar no consultório. A primeira grande beleza que me deixou impressionado dentro da suntuosa sala, foi um enorme quadro de óleo sobre tela, sob duas luminárias, de um belo mancebo tocando um alaúde. Aproximei-me do quadro pendurado na parede e pude constatar que a pintura era de autoria de Caravaggio. Fiquei tão hipnotizado pela pintura, que não percebi que a Dra. Alicia chamou-me repetidas vezes. - Professor Áureo, Professor Áureo... Tudo bem, com o senhor? Podemos começar nossa sessão? - Sim, podemos. Mil perdões pela minha inércia momentânea de sentidos, doutora. É que este quadro é uma visão da perfeição. Esta belíssima obra de arte me hipnotizou! É algo fascinante. É uma réplica ou um Caravaggio original? - É um Caravaggio originalíssimo, Professor Áureo! Por gentileza, queira deitar-se na “chaise longue”. - fez-me o convite quase ciciando. Ao fixar meu olhar no rosto da Dra. Alicia, tive a nítida sensação de que eu já havia estado com ela em algum lugar. Ela era linda, inteligente, elegante e perfumada. E tinha os olhos azuis mais estonteantes que eu já havia visto em toda a minha vida. E antes que fosse dado início a sessão, eu a interrompi: - Dra. Alicia, já não nos conhecemos? - Acho pouco provável, Professor Áureo! Eu somente venho ao Brasil de dois em dois anos. Sinceramente, não tenho nenhuma lembrança de conhecê-lo anteriormente. Talvez durante a sessão possamos descobrir se em algum momento das nossas vidas nos encontramos. Está pronto? Então relaxe e obedeça aos meus comandos, para que a TVP tenha êxito.      Não me perguntem como, mas lembro-me muito bem, depois de seguir à risca os comandos da Dra. Alicia, que fui transportado, através da regressão, para a Rue Saint-Louis enl’Île, em Paris, onde estava acompanhado de uma bela jovem. Juntos entramos no afamado restaurante "MonVieil Ami” para jantarmos. Um jantar romântico, a dois e à luz de velas em total clima de l'amour est dansl'air.  Sim, era a Dra. Alicia Martin a minha acompanhante. Éramos um casal jovem e apaixonado. Em outro estágio da regressão eu era um ator de telenovela. Sendo eu protagonista, como é de praxe em telenovelas, passei quase toda a história enfrentando as agruras perpetradas pelo antagonista. Agora no desfecho, último capítulo da telenovela, depois de safar-me de todas as maledicências, ao lado da minha amada, fiz a citação da frase do filósofo romano Sêneca: “Qualquer tipo de maldade é resultado de alguma deficiência por quem a pratica". E assim sendo, quem sou eu para julgar aquele que foi meu algoz. Após dizer esta fala, eu, o protagonista da telenovela, com minha amada, entrei num trem e seguimos rumo a felicidade perene. Sim, a quem possa interessar, a amada do protagonista era a Dra. Alicia, na flor da idade. Saindo do meu estado hipnótico senti calafrios, tonteiras e a visão turva. Enquanto estava me recompondo, a Dra. Alicia dirigiu-se até uma escrivaninha, pegou um exemplar do seu novo livro, autografou-o e me entregou. Ainda sentado na “chaise longue”, li a dedicatória que a terapeuta francesa acabara de escrever para mim.  Entretanto, não foi a dedicatória que me surpreendeu, e sim a epígrafe do livro. A epígrafe era uma frase do Padre Henri Dominique Lacordaire, religioso dominicano: "Três elementos são capazes de fazer feliz a uma pessoa: Deus, um amigo e um livro". Deixei o consultório da Dra. Alicia revestido de uma certeza absoluta: a de que minha existência resumia-se a uma estrofe da música "O Estrangeiro", de Caetano Veloso: "Uma baleia, um alaúde, uma telenovela, um trem". Há quem diga que estes fatos ocorridos na minha vida não passam de um ”vaudeville”. Todavia, a verdade é que tudo aconteceu conforme foi aqui narrado. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

domingo, 26 de junho de 2016

UM PRESIDENTE CROSSDRESSER

Naquela noite, no horário habitual do jantar, na residência Oficial do Presidente da República, a mesa estava posta. Na suntuosa sala de jantar, D. Noelma Óteles aguardava junto à meia dúzia de serviçais, o presidente Hamílcar Óteles sair de seus aposentos para dar início ao jantar. Ao adentrar na sala de jantar, o presidente Hamílcar causou uma reação espasmódica em quem ali se encontrava. Estava ele totalmente ajaezado e vestido como mulher. A primeira providência da primeira-avó, D. Noelma, foi ordenar que o mordomo Cristóvão retirasse os demais serviçais da sala. O que foi feito às pressas. Com o olhar atento e suspicaz, após a saída de todos, com a docilidade que lhe era peculiar (em se tratando do neto), D. Noelma levantou-se e foi ao encontro do neto-presidente. Ela era chamada, melifluamente, de primeira-avó pelo povo brasileiro porque o presidente era órfão de pai e mãe e, além disto, solteiro. Só lhe sobrara a avó de parente. A carinhosa avó abraçou-o, beijou-o e em seguida fez as observações necessárias: - Anjo amado, por que você está assim, meu neto querido? Desde que foi eleito Presidente da República, não havia mais se vestido assim na presença de ninguém, além de mim e do Cristóvão! O que houve? Não sabe que, se este seu gosto de vestir-se de mulher vier à tona, poderá arruinar sua carreira política? Será execrado pela opinião pública. Melhor que ninguém, nós sabemos que Brasília vive mergulhada em incongruências comportamentais, todavia, se a nação brasileira tomar conhecimento deste teu segredo, a consequência será catastrófica. - alertou de forma fagueira D. Noelma. - Vovó, eu não aguento mais viver tendo a vida controlada. Não posso isso, não posso aquilo. Estou saturado. Veja, vovó, a repressão contra meu gosto está atingindo meu metabolismo, estou com manchas e feridas por todo corpo. A senhora e o Cristóvão sabem que nada mais me acalenta do que vestir-me com roupas femininas. Vestido assim, as ideias fluem melhor e eu consigo dar o melhor de mim. Repito o que diz a personagem Rosalinda, da peça “As You Like It”, escrita por Shakespeare: “o disfarce deixa-nos livres e soltos”. Mas essas exageradas proibições que estou vivendo estão me atormentando. Eu preciso de outros ares, sair do Brasil, ir para um lugar onde ninguém me reconheça e eu possa vestir-me como quiser. A política aniquila-me em todos os sentidos. - desabafou o Presidente, abraçando a avó. - Escute, meu anjo amado, o que sua avó vai lhe dizer. Você sabe que não há neste mundo uma pessoa que o ame mais que sua avó, não sabe? Hamílcar confirmou balançando a cabeça. - Pois bem, amado, eu sei, o Cristóvão sabe, e o seu pai, que Deus o tenha em bom lugar, sempre soube e nunca o discriminou por isso. Você veste roupas femininas, não é porque seja afeminado ou porque possua qualquer tipo de afecção sexual. Temos plena convicção que você não é homossexual como seus adversários políticos gostam de lhe taxar. Você é, como dizem os estadunidenses, um crossdresser. Entretanto o povo brasileiro não está afeito em ver homens em trajes exclusivos de mulheres. Para ser sincera, meu querido, a maioria dos brasileiros nem sabe o que significa ser crossdresser. Hamílcar, você não pode, nem deve se enunciar assim, vestido deste jeito, na frente de pessoas de nosso convívio. Hoje elas estão trabalhando conosco, nos servindo, porém, amanhã não estarão mais e venderão informações de foro íntimo da nossa família. Você entende, querido? - foi incisiva D. Noelma com as palavras proferidas. - Entendi, vovó, eu sei que prometi ao papai, no leito da morte, que me vestiria deste jeito apenas na presença da senhora e do Cristóvão ou em lugares onde eu tivesse certeza absoluta de que ninguém me reconheceria, entretanto, depois que vi o famoso e internacional quadrinista brasileiro, Laerte Coutinho, optando pela prática pública do crossdressing, eu pensei que não haveria tanto impacto negativo se eu aderisse, pelo menos aqui em casa, a esta prática, que me faz tão bem. Se o Laerte, que é uma pessoa pública, casado e pai de filhos pode, por que eu não posso, vovó? - questionou o presidente debulhando-se em lágrimas. - Anjo amado, o Laerte Coutinho é um artista. E um artista pode tudo! Mas você não. Você é o Presidente da República e não pode sair por aí vestido de mulher.  - Compreendi, vovó dileta. Um presidente é muito mais que um artista. Um presidente tem que ser um paladino da moral e dos bons costumes. - concluiu o presidente, cabisbaixo e desapontado por ter seu desejo de ser crossdresser mais uma vez ceifado. - É isso aí, meu anjo amado! Não vamos criar cadafalso para a choldra tripudiar em cima da família Óteles. Com a situação remediada, o presidente Hamílcar Óteles fez um pedido que pegou a avó sem ação para contrariá-lo. - Vovó, já que estou aqui assim e a mesa já está posta, eu posso jantar do jeito que estou, vestido de mulher? Só hoje, vovozinha querida! Diga que sim, “please”! Meio a contragosto, D. Noelma concordou para tirar a nítida tristeza do rosto do neto-presidente: - Está bem, meu filho! Mandarei somente o Cristóvão servir-nos. Os demais serviçais não entrarão aqui enquanto estivermos jantando. - Obrigado, vovó! Vovozinha dileta do meu coração, minha eterna guardiã... - com enorme euforia, o presidente crossdresser agradeceu a avó. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

sábado, 25 de junho de 2016

FEVEREIRO NÃO TEM FIM

-Vosmecê é o jornalista que quer me fazer perguntas acerca do fato assucedido que teve como desfeche a morte matada do meu filho Umberto? -Sou eu mesmo, Sr. Donato Patriota, me chamo Serafim. Serafim Benevides, repórter do jornal Montserrat. -Pois, entonces, vosmecê se achegue, entre. A casa é de pobre, porém é de gente decente. Não se acanhe não, jornalista, pegue um tamborete e se assente. -Com licença, muito agradecido! -Agradecido “tô” eu, o jornalista saiu lá da cidade pra “vim” aqui nesta lonjura de povoado ter um dedo de prosa comigo. É pena que seja por “mode” uma desgraceira que destroçou minha família.  O jornalista quer um gole d'água? Olhe, é água fresca, buscada na nascente e guardada em pote de barro, coisa que na cidade não tem! -Não, por enquanto não, Sr. Donato. Antes de chegar aqui a sua casa, parei na bodega do Sr. Orozimbo, onde começou o desentendimento entre seu filho, Umberto Patriota, e Givaldo Aragão, o suspeito de tê-lo assassinado, para obter informações sobre o caso. Aproveitei e bebi água à vontade. Se o senhor não se incomodar, gostaria de começar a entrevista, Sr. Donato. -Sem problema, o jornalista pode dar início a nossa conversação. Não se avexe não, pode perguntar tudo de cabo a rabo. O antes e o depois do causo da morte matada do meu filho Umberto, que teve a vida retirada deste mundo na flor da idade. Pra início de conversa lhe adianto, jornalista, que meu filho Umberto era um rapagão de muita boniteza! Era garboso, taludo e espertoso. Mas pode começar suas perguntas, jornalista. Sou todo ouvidos. -Hoje, 19 de fevereiro, está completando uma semana que seu filho Umberto foi brutalmente assassinado, em uma tocaia, depois de ter deixado a bodega do Sr.Orozimbo, por volta das oito horas da noite. Como o senhor está lidando com a perda prematura do seu filho? -Vosmecê, jornalista, não deve ter ideia do tamanho da dor que sinto por perder meu único filho homem de morte matada. É uma dor ardida. Uma dor de ferida aberta que jorra sangue sem parar. É tanta dor que sinto que, às vezes, penso que toda dor do mundo “tá” ajuntada dentro de mim. Perdoe eu pelas lágrimas derramadas, jornalista.   -Fique à vontade, Sr. Donato, chorar faz bem à alma. Caso o senhor queira dar um tempo, eu paro com a entrevista. Eu sei que ainda está tudo muito recente. -Acredite, jornalista, chorar virou algo corriqueiro no meu viver, a partir do dia em que coloquei estes meus olhos, que a terra há de comer, no corpo do meu rebento Umberto, crivado com tiros de espingarda, estatelado no chão em uma poça de sangue. Entonces, vamos, vamos adiante com nossa conversação. -É de conhecimento público, que até o presente momento, o suspeito de cometer o crime, Givaldo Aragão, ainda não foi preso. Dizem que a vítima e o acusado eram amigos desde a meninice, é verdade? -E não eram? Eram amigos de galhofas desde o Grupo Escolar. Mesmo assim o dito cujo deu cabo a vida de Umberto sem dó nem piedade. Poucos dias atrás, antes do ato criminoso assucedido, o carcará sanguinolento do Givaldo ficou arreliado porque meu filho Umberto ficou enrabichado por uma moçoila, moradora de lá das bandas de Marrecas. O cabrunquento do Givaldo impôs ao Umberto que escolhesse entre a amizade dos dois e o namorico com a tal moçoila. E o meu filho, mais que sem demora, escolheu namorar a moçoila. Então, o gota-serena do Givaldo, enciumado, atocaiou o Umberto na calada da noite. -Mas o Givaldo Aragão tinha ciúme do seu filho Umberto por quê? -Eu não sei precisar ao jornalista o que tinha entre os dois além da amizade. O que posso lhe afirmar é que eu sou do tempo em que homem só coitava com mulher. Hoje em dia “tá” tudo de penas pro ar: é homem com homem, é mulher com mulher rosetando como se fosse uma coisa normal. A sem-vergonhice se apossou do mundo, jornalista! Somente Deus para ter piedade deste mundo despudorado.    ​-Senhor Donato Patriota, comenta-se que esta não é a primeira tragédia ocorrida em um mês de fevereiro, que flagela sua vida... -Como é mesmo a sua graça? -Serafim Benevides. -Sabe, jornalista Serafim, apesar de eu ter nascido no mês de fevereiro, ele sempre foi um mês de muita sofreguidão para mim! Foi num fevereiro que, de uma só cajadada, perdi minha mulher e minha filha, duas almas dadivosas. Morreram de morte morrida depois de serem atropeladas por um caminhão desgovernado, quando voltavam da missa de domingo. Também foi no mês de fevereiro que tive minha perna esquerda cortada fora, “mode” uma gangrena, em decorrência da diabetes. E agora, também no mês de fevereiro, meu filho Umberto morreu de morte matada. Parece um carma, uma fúria do destino: em um mês de fevereiro ganhei a vida, eu vim ao mundo e sempre neste mês perco tudo de bom que a vida me deu. Sou um homem acabrunhado, sem forças para lutar contra minha sina. A fúria da minha predestinação me deixou no mundo sem esposa, sem filhos e sem uma perna. Se não fosse a minha nova companheira Rosália, que vive amasiada comigo, eu seria um homem completamente sozinho no mundo.   -Sinceramente, eu nem sei o que lhe dizer de confortante depois de ouvir sua história de vida, Sr. Donato. Mas já sei o preâmbulo que escreverei na matéria jornalística sobre suas perdas. Farei a citação de uma frase proferida pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht: “Há homens que lutam um dia, e são bons; há outros que lutam muitos dias, e são muito bons; há homens que lutam muitos anos, e são melhores; mas há os que lutam toda a vida: esses são os imprescindíveis!” Não tenho nenhuma sombra de dúvida que esta frase é a síntese da sua vida, Sr. Donato Patriota. -Se é o jornalista que está dizendo, entonces eu acredito. Mas no fundo, no fundo, eu somente me sinto um sobrevivente do mês de fevereiro.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

sexta-feira, 24 de junho de 2016

O FILHO DA MADRE

Não fiz rodeios, disse, sem meias palavras, ao Padre reitor do Seminário Maior, que recusava terminantemente cursar teologia em Medellín, no Instituto Teológico John Duns Scot. Ao contrário do que o Padre reitor me ofereceu como opção, sempre almejei estudar teologia em Roma. Éramos três seminaristas contemplados com bolsa integral para cursar teologia fora do Brasil. Dois seminaristas, irmãos gêmeos, iam estudar teologia em Roma, no Pontifício Colégio Pio Brasileiro, e o terceiro, no caso eu, iria estudar teologia em Medellín. De imediato concebi a convicção que a escolha do meu nome para estudar em Medellín, tinha por fundamento uma baita de uma discriminação: por eu ser negro, pobre nascido em uma favela da Zona Oeste do Rio e filho de mãe de má reputação. Enquanto os outros dois seminaristas, escolhidos para estudar em Roma, eram branquinhos de olhos azuis com traços fisionômicos europeus e filhos de uma família abastada. Discriminação ou não, impôs minha vontade de recusar a pseudo oportunidade de cursar teologia fora do Brasil. Afinal de contas, eu era já um filosofo, e como filósofo tinha minhas próprias convicções, e fui categórico com meu não. Pasmo, com minha decisão irrevogável, o Padre reitor ficou estagnado por um tempo, até abrir a boca e ordenar que eu me retirasse da reitoria e fosse a capela rezar. Todavia, antes que eu atravessasse a porta de saída, o Padre reitor sentenciou-me: - Prepare-se para o dilúvio que cairá sobre sua vida...  já que você se recusar a ir estudar teologia em Medellín. Abrindo mão de uma grande oportunidade que a Igreja lhe oferece. Pois muito bem, você estudará aqui mesmo no Seminário Maior, a teologia. Creia, aqui você cursará teologia comendo literalmente o pão que o diabo amassou. Não quer ir para Medellín, prepare-se para viver numa merda sem fim... Reflita sobre este trocadilho, na capela."       Optei por encolhi a seco as ameaças do Padre reitor e sai demonstrando vilania, pois de forma propositada bati a porta da reitoria com toda força. Tal petulância do meu ato estava respaldada na certeza que o Padre reitor tinha consciência que era correr risco desnecessário ele me afrontar demasiadamente, pois eu guardava, as setes chaves, segredos inconfessáveis dele. Enquanto transitava no imenso corredor entre a reitoria e a capela, fiquei ruminando em pensamentos sobre tudo que eu sabia da vida particular do Padre reitor. No dia seguinte o Seminário Maior estava em festa, receberíamos a visita do Arcebispo metropolitano que vinha para fazer o anúncio oficial dos seminaristas recém formados em filosofia que iam estudar teologia no exterior. Os preparativos para recepcionamos o Arcebispo estavam de vento em popa. - Para Vossa Reverendíssima todas pompas e circunstâncias, - bradava, reiteradas vezes, o Padre reitor. A mim coube a incumbência de organizar a parte dos cânticos litúrgicos da celebração eucarística que o Arcebispo presidiria na capela do seminário. Por eu saber tocar e cantar com desenvoltura, sempre me delegavam para coordenar os cânticos em celebrações especiais. Escolhi para canto de entrada “Marcha da Igreja", de David Julien. Foi uma imensa surpresa quando, após a celebração eucarística, ainda eu estava desligando as aparelhagens de som, recebi o comunicado que o Arcebispo queria falar comigo, na sacristia. No primeiro momento, sinceramente, pensei que eu fosse receber do arcebispo alguma bronca pela escolha que fiz do repertório dos cânticos para celebração. Justiça seja feita o Arcebispo era um exímio conhecedor de música sacra. Possuído por um extremo receio desmedido fui ao encontro do arcebispo metropolitano, preparado para ser arguido. Quando adentrei na sacristia, estavam o arcebispo, o padre reitor e os dois seminaristas dídimos escolhidos para estudar em Roma. Assim que foi notada minha presença na sacristia, o arcebispo, que ainda estava usando o pálio símbolo da sua qualidade metropolita, solicitou que os demais se retirassem do recito e me deixasse a sós com ele.       - Antes de mais nada quero registrar meu regozijo, em ver como você a cada dia que passar está tocando violão com mais perfeição e afinadíssimo com a voz cantando os cânticos sacros. E por falar em cânticos, receba também minha congratulação pela belíssima escolha dos cânticos", disse essa fala enquanto estendeu sua mão, com o anel pleno símbolo da autoridade episcopal, para que eu beijasse. Mergulhado, no meu interior, em um oceano de felicidade ao receber um estonteante elogio de um renomado especialista em música sacra. Sem demonstrar meu estridente contentamento e o ego inflamando, cabisbaixo, agradeci, com a voz trêmula, a arcebispo metropolitano. - Vossa Reverendíssima está sendo muito amável por tece uma observação tão generosa acerca deste humilde seminarista aprendiz. - Como dizem os franceses: apprivoise-ma, ou seja, cativa-me! Creia, todas as vezes que coloco meus olhos em você, sinto-me cativado cada vez mais. Vamos, vamos nos sentar. Preciso falar com você, antes de irmos ao refeitório jantar... O padre reitor e os demais seminaristas estão no refeitório a nos aguardar. Eu puxei a cadeira da cabeceira da mesa na sacristia para o arcebispo sentar. - Obrigado pela finesse! Sente-se, sente-se também!  Preciso fazer uma criteriosa distribuição de slots do seminário, tal qual em um aeroporto. Sem mais delongas o Arcebispo deu início ao nosso colóquio tendo como introdução uma estrofe poética. - "The stars are putting on their glittering belts. They throw around their shoulders cloaks flash. Like a great shadow's last embellishment." Por obséquio, você pode traduzir para mim está estrofe do belíssimo poema de Wallace Stevens?" Mesmo não sendo o idioma inglês o meu forte, o francês sim, falo influentemente, traduzir, com certa dificuldade a estofe poética, atendendo à solicitação do arcebispo metropolitano. - "As estrelas estão colocando em seus cintos brilhantes. Eles jogam em torno de seus ombros mantos flash. Como no embelezamento de um grande sombra." O Arcebispo bateu palmas para mim. - Parabéns, muito bem traduzida e declamada a estrofe do poema de Wallace Stevens." Creia, esta estrofe poética é literalmente a síntese da sua vida... Inegavelmente você tem muitíssimos dons, e a madre Igreja reconhecerá seus dotes intelectuais e artísticos.  E o promoverá para um cargo eclesiástico de destaque. No entanto, para meu desalento tive conhecimento que você recusou a bolsa integral para estudar teologia, na bela e aprazível Medellín. De posse desta informação, da sua recusa, fiquei perplexo. E fui tomado pelo impulso natural de querer saber da sua própria boca as possíveis justificativas para você recusar esta oportunidade de ouro que a madre Igreja lhe oferecer. Estudar teologia no Instituto Teológico John Duns Scot, em Medellín, na Colômbia não é pra qualquer um não. Você não é um parva, tem inteligência suficiente para saber que é fundamental que conste em seu curriculum o curso de teologia, feito no exterior... - Perdão, senhor arcebispo. Perdão por interromper sua fala, mas eu não estou conseguindo me ater aonde Vossa Reverendíssima quer chegar com essa divagação. Por obséquio, o senhor arcebispo pode ser mais específico? - Tem razão, tem toda razão não vamos perder tempo devaneando... Pois estão nos esperando no refeitório para jantarmos, não é mesmo?  Então vamos ao ponto que interessa, melhor que ninguém você sabe que foi sob os auspícios da madre Igreja que você chegou até aqui... Hoje tu eis um neo filósofo, que se diga de passagem se formou, com a mais alta menção summa cum laude. Destaque notório entre os demais seminaristas do Seminário Maior, do curso de Filosofia. Você de forma sabia, na sua monografia, se propôs a levar adiante uma exegese filosófica, aprioristicamente tomista, com a defesa das ideias de São Tomás de Aquino. Esta sua perceptível, até de olhos vendados, evolução humana com sapiência, nada lembra aquele menino paupérrimo, esquálido que foi resgatado dum favela da Zona Oeste do Rio nos idos de 1990, filho de uma mulher desprovida de moral. E toda essa transformação positiva na sua vida, você deve esta graça a madre Igreja.  Mas que a sua genitora biológica, esta somente lhe pariu e colocou no mundo sem eira nem beira, você deve tudo de bom que enriqueceu sua vida a madre Igreja. Foi a madre Igreja que lhe resgatou de toda miserabilidade que rodeava sua vida na favela da Zona Oeste do Rio. A madre Igreja é sua família, nós Igreja somos sua família. E família é o lócus primitivo da socialização. Portanto, hoje você tem laços fortes e inquebráveis com a madre Igreja. Então, você não deve desobedecer sua madre, a Igreja. Porque ela como sua madre, sabe o que é melhor para você. Sinceramente não tive como contra argumentar, o Arcebispo estava certo. A Igreja foi sempre minha guardiã, a minha mãe. Resumo da ópera: fui estudar teologia em Medellín. Morrei e estudei por quatro anos na Colômbia. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

terça-feira, 21 de junho de 2016

MEMORIAL DE NATAL

     Assim como o Menino Jesus, eu também nasci no dia 25 de dezembro. Indubitavelmente, aquele 25 de dezembro era um dia especialíssimo para mim, eu estava completando 50 anos de vida, vivida "it my way"! Carregando toda essa existência nas costas me sentia um vetusto! Creio piamente que este sentimento era psicológico, estava em mim influenciado pelos meus amigos que reiteravam, insistentemente, que minha essência era de um velho desde tenra idade: minhas roupas, minhas preferências e até a decoração da minha casa eram sinais nítidos de gosto exclusivo de um idoso. Entretanto, diziam meus amigos, que a prova cabal da minha essência de um velhinho estava na indecifrável opção feita por mim de passar o dia do meu aniversário, 25 de dezembro, com os dezesseis velhinhos internos do Asilo São Vladimir de Kiev. Com esta minha incompreensível decisão, desmistificava de vez o velhinho que habitava em meu ser, afirmavam os amigos. Há quem diga, ainda, que eu seria motivo de graçolas, pois abri mão de comemorar meu aniversário com os amigos no sofisticadíssimo restaurante Sublimotion, onde eu receberia presentes por duas datas comemorativas: Natal e Aniversário. E, ao contrário do que os amigos almejavam para mim, optei por comprar no shopping, com antecedência, dezesseis presentes para os velhinhos do asilo, pois era, irremediavelmente, com os velhinhos que eu queria comemorar, simultaneamente, o Natal e o meu aniversário.      Contratei o renomado Buffet Sibite, “the Best” quando se trata de bufê, para servir os comes e bebes, em louvação às datas comemorativas, não somente para os internos do asilo, como também para os funcionários. Adentrei no asilo um pouco antes do horário habitual em que era servido o almoço aos velhinhos e fui direto, levando comigo sacolas abarrotadas com os presentes, para o salão de recreação, onde aconteceriam as comemorações. Antes que começasse a comilança, resolvi fazer a distribuição dos presentes. E entreguei, com muitíssimo gosto e imensa alegria no meu coração, para cada um deles, uma calça e uma camisa (obviamente antes de fazer aquisição das respectivas peças de vestuário, solicitei à diretora do asilo as medidas de cada um). Todos os anciãos ficaram emocionados e radiantes com os presentes, com exceção do Sr. Diógenes Borges, um quase nonagenário, rotulado por todos - internos e funcionários do asilo -, como um rabugento sem causa. Sem nenhum constrangimento, Sr. Diógenes, assim que abriu o embrulho do presente, começou a resmungar:      - Que presente sem propósito. Onde já se viu tamanho disparate? Eu sou um homem à véspera de completar noventa anos de idade, sou cadeirante e vivo vinte e quatro horas enfurnado neste asilo, não saio daqui nem para ir ali à esquina. E sendo assim, para que me servem esta calça e esta camisa? É inegável que sejam duas peças de roupas bonitas e de boa marca, no entanto, o ilustre escritor desperdiçou seu dinheiro. Pois, para mim, não há serventia nenhuma este seu presente. Todavia, para não afrontar a finesse do escritor me reservo o direito de ficar com a calça e a camisa. Usarei ambas as peças como decoração no meu guarda roupas. Agora, que é uma discrepância este presente, é!        Fiquei imensamente desconcertado. Naquele momento, não sei por que cargas d'água, lembrei-me da frase proferida pela escritora austríaca Marie von Ebner-Eschenbach: “Na juventude aprendemos, na velhice compreendemos". Após ficar alguns instantes introspectivo, revestido da minha peculiar timidez, me aproximei do Sr. Diógenes Borges e a ele perguntei com a voz totalmente presa e trêmula:        - Qual é o presente que o senhor gostaria de ganhar neste Natal, Sr. Diógenes?      - Já que o escritor insiste em me presentear neste dia do Natal, sem pestanejar, lhe digo: eu gostaria que o senhor me levasse até o Aterro do Flamengo, lá tem um lindo pé de ipê amarelo, que eu mesmo plantei. E eu quero ir até lá para ficar deitado em uma espreguiçadeira, sob o meu pé de ipê amarelo, até a hora do ângelus. Pois é sabido que, quando alguém está sob um pé de ipê amarelo, na hora ângelus, os anjos lhe concedem benesses. Vou lhe contar um segredo, escritor, ao contrário do que todo mundo pensa, os anjos têm asas amarelas, não brancas.        - Sr. Diógenes, o senhor tem certeza absoluta que é este o presente de Natal que quer ganhar? Visitar o pé de ipê amarelo, no Aterro do Flamengo?      - Escritor amigo, tenho certeza absoluta! A mesma certeza absoluta de que sou um velho. Quero ir até o Aterro do Flamengo, rever o pé de ipê amarelo que eu mesmo plantei em priscas eras.        Sr. Diógenes Borges obteve autorização da diretora do asilo para ir até o Aterro do Flamengo, desde que um enfermeiro fosse conosco. Um dos cuidadores de idosos do asilo levou o Sr. Diógenes para tomar banho e trocar de roupa. Para minha grata surpresa, quando Sr. Diógenes reapareceu no salão de recreação, sendo conduzido na sua cadeira de rodas, estava trajando a calça e a camisa com que eu o presenteei.  Em sua mão, dependurado pela alça, estava o radinho de pilha e no seu colo estava o exemplar do livro "Great Expectations", de autoria de Charles Dickens. Antes de deixarmos o local em petit comité, Sr. Diógenes deixou-nos ciente de que há mais de cinco anos ele não saía do Asilo São Vladimir de Kiev.      Enquanto fazíamos a travessia da Avenida Rio Branco, completamente desabitada de pedestres, Sr. Diógenes, sentado no banco do carona, não parava de olhar para os dois lados da avenida. Era como se ele quisesse identificar alguém ou alguma coisa. Ao chegarmos ao Aterro do Flamengo, Sr. Diógenes mostrou-nos o pé de ipê amarelo que ele havia plantado outrora. Com ajuda do enfermeiro tirei-o de dentro do carro e em meus braços carreguei-o até a árvore, onde o enfermeiro já havia armado a espreguiçadeira. Já acomodado ele comentou:      - Veja escritor, que beleza indevassável, o meu ipê amarelo está florido e as folhas emolduram belamente a nossa visão da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro.  - É mesmo Sr. Diógenes, é uma visão esplêndida! Maravilhosamente esplendorosa mesmo! Em que época o senhor plantou este pé de ipê amarelo?  - Sabe escritor, eu fui gari. Ou se preferir fui varredor de ruas. Eu era o gari responsável por varrer todos os dias, de segunda a sábado, as calçadas da Avenida Rio Branco. Varria a avenida todinha, do começo ao fim. Como na hora do meu almoço precisava de um local para descansar longe da barulhenta, agitada e intransitável avenida, eu vinha para cá, para o Aterro do Flamengo, almoçar a comida da minha marmita e depois descansar. Foi aí que eu resolvi plantar este pé de ipê, para demarcar meu paraíso particular aqui. Sob a sombra do meu ipê amarelo, eu lia os livros que encontrava nas lixeiras da Avenida Rio Branco. Li muitos, muitíssimos livros sem sequer comprar um, escritor. Sou um autodidata, acredite, aprendi a falar fluentemente o inglês, o francês e o alemão, lendo livros achados nas lixeiras da Avenida Rio Branco. Na escola mesmo, somente fiquei até aprender a escrever meu nome. Sabe a rica biblioteca do Asilo São Vladimir de Kiev, com mais de três mil livros? Todos foram doados por mim. Doei e cataloguei livro por livro, todos resgatados das lixeiras da avenida. Entre os livros que doei para a biblioteca está este exemplar de "Great Expectations", o qual estou ansioso para reler. Agora, se o escritor não se incomodar, quero ficar aqui sozinho, sob a sombra do meu ipê, no meu paraíso particular, em silêncio, para começar a relê-lo e ouvir músicas pelo meu radinho de pilha. Eu tenho esta mania: ler ouvindo música, escritor. Pode ir escritor, como dizem os jovens, vá dar um rolê pelo aterro e leve consigo o enfermeiro. Deixe-me a sós, eu com meu ipê amarelo.        Para não contrariá-lo, atendemos ao pedido do Sr. Diógenes e mantivemos uma razoável distância da árvore. Ele, então, ligou o rádio e sintonizou em uma estação em que estava tocando a música "Juizo final", interpretada por Nelson Cavaquinho. De onde estávamos, o enfermeiro e eu, ouvíamos perfeitamente a música e observávamos atentos a cena. O idoso, com o livro "Great Expectations", aberto no colo, cantarolava os versos da estonteante canção. Segundos antes do término da música, Sr. Diógenes assentou sua cabeça no encosto da espreguiçadeira, e já não cantarolava e sim balbuciava os últimos versos da música. Em seguida ficou inerte. E continuou inerte, até mesmo quando uma repentina e mediana rajada de vento arrancou o livro do seu colo e derrubou-o no chão. Alertado pelo enfermeiro, que achou muito estranha a estagnação contínua dele que, por natureza, era inquieto, fomos até ele. O profissional de enfermagem buscou sinais vitais no velhinho e não encontrou. Acabara de morrer Sr. Diógenes Borges. O ex-gari sábio e poliglota faleceu sob a sombra do seu ipê, que estava florido. De vez em quando, eu vou ao Aterro do Flamengo visitar o pé de ipê amarelo, plantado pelo Sr. Diógenes Borges. Para mim, desde então, aquele pé de ipê amarelo não é mais somente uma árvore, também é um memorial de Natal. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

sábado, 18 de junho de 2016

ELES SÃO MUITOS, MAS NÃO SABEM VOAR

O presidente Getúlio Vargas costumava dizer que "não há inimigos de que não possamos nos aproximar, como também não há amigos de que não possamos manter distância". Por este viés, podemos certificar que cada ponto de vista é a vista de um ponto. Embora, na maioria das vezes, por convergências, sejamos obrigados a ficar milhas e milhas de distância dos amigos e muito mais ainda dos inimigos. Nesta minha percorrida estrada da vida, já encontrei muitas amizades tacanhas, interesseiras e contraproducentes. E de forma elegante (tenho aversão a comportamento iracundo!), concisa e decidida procuro afugentar estas pseudo-amizades antes que estas me transformem em vítima. Contudo, algumas pseudo-amizades, mais astutas, conseguem, com um peculiar poder infalível de persuasão, me ludibriar, e quando enxergo o óbvio já é tarde. E assim sendo, hoje em dia, optei por ser um homem de poucos amigos e sou feliz por isto. Entretanto, aqueles que tenho fazem, irrestritamente, parte da minha vida e habitam meu coração. O inesquecível maestro Antônio Carlos Brasileiro Jobim alardeava aos quatro cantos que: "no Brasil, ser inteligente é visto como uma ofensa pessoal". Infelizmente, desde que a humanidade aprendeu a andar para frente é esta a resolução que predomina em todos os seguimentos da vida pessoal e profissional do ser humano: se uma pessoa traz consigo mais conhecimento, é vista como adversária de fogo e ferro entre seus pares. E é dentro desta atmosfera de ignorância que se ganha muitos inimigos. Mesmo que eles sejam muitos, eles não sabem voar por falta de inteligência. Ainda neste contexto, faço citação de uma célebre frase de Ruy Barbosa: "Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando, se a burrice não será uma ciência". Os homens sensatos afirmam, categórica e peremptoriamente, que a inteligência não é um privilégio, é um dom que tem que ser usado para o bem do próximo. Por este prisma, é primordial a prática diária de exercícios dinâmicos de cordialidade para a construção de comunidades e sociedades, comuns a todos, de forma hermenêutica por civilidade. Todavia, no intercâmbio de conceitos e preceitos, eu ouço, com muitíssimo gosto, o que meus semelhantes têm a me dizer e a me ensinar. Porém, sem contrariar a opinião de outrem, com exímia respeitabilidade, separo o joio do trigo. É de suma importância esta instrumentalização prevalecer sem distorção de gênero, número e grau. A maior influência da conduta cultural e intelectual  do entendimento da psicanálise se faz presente em conceitos que rompem a apatia comparável às transformações do advento trazido por inúmeras coletâneas das improvisações de cada personalidade e inteligência do ser. Com a evolução das diversas variações de entendimento do ser, face à ascensão das teorias analíticas, estabeleceu-se uma relação estatística de implacabilidade de fatores ubíquos de receptividade de uma moral que é a quintessência da autocrítica. No que tange aos amigos contíguos, quero expressar minha extrema gratidão por fazerem parte do meu viver. E aos não amigos, eu encaminho as palavras do filósofo inglês, Francis Bacon: "Para que a luz brilhe com muita intensidade, tem sempre que haver escuridão". Por que digo isso? Porque muitas vezes somos atraiçoados de maneira vil e esfaqueados pelas costas por pessoas que vivem de eminência parda e nunca leram Shakespeare, Baudelaire, Dostoievsky, Foucault, Tolstoi e Proust. Aconselho que leiam estes e outros autores universais e clássicos. Fazendo isso, obviamente ganharão conhecimentos e aprenderão a voar através da imaginação.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

quinta-feira, 16 de junho de 2016

ENSAIO SOBRE LIVROS

O erudito escritor alemão Hermann Hesse escreveu aquilo que eu considero a síntese perfeita da tradução da existência humana: "A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo". Há algo de intensa veracidade no meu viver: eu prefiro conhecer livros a pessoas. Não sigo, literariamente, estilos e nem escolas, o que me interessa é conhecer o livro. E todos que li descortinaram, no meu viver, um fascínio indescritível. Já as pessoas, quase sempre, são facas amoladas cortantes que dilaceram o meu ser. Portanto, mantenho-as bem longe de mim. E esta minha compulsão por livros e a sede por leitura estão em mim desde a puerilidade, quando aos meus oito anos, li, de cabo a rabo, o romance do escritor português Eça de Queiroz "O Crime do Padre Amaro". Aqui devo fazer uma divagação para dar testemunho da minha trajetória de leitor principiante: fiz a leitura do mencionado romance porque, com oito anos de idade, já era vocacionado ao sacerdócio e queria entender por que o "Padre Amaro" havia cometido um crime. Portanto, neste caso específico, escolhi lê-lo impulsionado pelo título e pela minha vocação ao sacerdócio. A partir de então, impelido pelas forças que regem a criação literária, livros e leituras fizeram parte da minha vida da mesma forma que o ar que respiro. Jacques Lacan, o psicanalista da linguagem (cuja obra toda já li), tem uma definição que retrata bem esta minha opção de me relacionar exclusivamente com livros: "A palavra escrita é uma elucubração, pois há estágio na vida que somente nos realizamos nas malhas da leitura". Nada me harmoniza mais do que fazer leituras diárias. Através destas leituras, eu povoo meu dia de pessoas imaginárias que sei muito bem quem são e o que farão. É neste universo que transito livre e não preciso usar armadura de defesa pessoal. O livro é tão essencial em minha vida que é praticamente impossível me verem sem que eu esteja portando um. Na terça-feira da semana passada, estava eu no Aeroporto, aguardando o horário de embarcar, quando me dei conta que havia esquecido de trazer comigo meu inseparável companheiro de todos os instantes: o livro. Sem pestanejar, adentrei na livraria do aeroporto e o primeiro livro que me chamou a atenção foi o que tinha como mote a vexilologia. Após fazer aquisição dele, deleitei-me com a leitura acerca da simbologia e o grafismo das bandeiras. O livro é isto para mim: um porto seguro, onde me encontro, onde me acho. Um rastro que sigo sem olhar para trás, porque sei que sempre me levará a um final feliz. Esta é minha relação com o livro: relação escancarada e solar. Perdão aos que não apreciam esta minha intimidade com ele. E para os que não comungam com meu pensamento, repito a frase do escritor estadunidense Walt Lippman: "Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando".   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

quarta-feira, 15 de junho de 2016

 RUMINAÇÕES DA HISTÓRIA QUE SOU

O ano era 1985, eu cursava filosofia no Seminário Maior, a Teologia da Libertação estava efervescente no Brasil. Davam-se notícias que o então coligado que formava a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estava dividido em duas alas: bispos conservadores e bispos progressistas. Eram vistos como bispos conservadores, dentre outros: Dom Eugênio de Araújo Sales, Dom Lucas Moreira Neves, Dom José Freire Falcão, Dom Luciano Cabral Duarte e Dom José Cardoso Sobrinho. Bispos apontados como progressistas, dentre outros: Dom Hélder Câmara, Dom Adriano Hipólito, Dom Aloísio Lorscheider, Dom Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldálica. No Seminário Maior era terminantemente proibido lermos livros relacionados à Teologia da Libertação. Mas um livro, em especial, havia tido a sua aquisição vetada "Igreja: Carisma e Poder", de autoria do então frei franciscano Prof. Dr. Pe. Leonardo Boff. A proibição da compra do mencionado livro nos remetia à lembrança de uma longínqua época da Igreja, quando havia a determinação do Index Librorum Prohibitorum.  Entretanto, como nunca dependi de adjutório financeiro da Igreja, pois minha manutenção no seminário e com meus estudos eram providos pelos meus pais, na primeira chance que tive, comprei o livro censurado. Porém, havia outro obstáculo a ser vencido: que expediente eu usaria para levar o livro para dentro do semanário e lê-lo sem ser descoberto? Mas do que comum, naquela época, era uma obrigação para o Reitor do seminário, fazer incertas, uma vez por semana, nos armários e birôs dos seminaristas. Em dias e horários não sabidos, o Reitor chamava o seminarista escolhido da vez e mandava o interno abrir seu armário de roupas e as gavetas do seu birô de estudos. Vasculhava as prateleiras e gavetas. Não encontrando nada comprometedor, o seminarista retornava para seus afazeres triviais de um candidato ao sacerdócio. Certa feita, foi descoberto no armário de um seminarista do último ano de filosofia, um exemplar da revista Playboy. Após o gravíssimo acontecido, por mais que o seminarista pego em flagrante houvesse implorado por clemência, o Reitor, após fazer citação de uma frase do filósofo francês Jean Buridan: "É impossível viver a doutrina sem a moral", estabeleceu o período de uma hora para o seminarista julgado e sentenciado colocar seus teréns na mala e deixar para sempre o Seminário Maior. Tendo este fato ocorrido como exemplo, eu fui mais precavido. Andava com o exemplar do meu livro "Igreja: Carisma e Poder" preso no cós da minha calça dia e noite. Para não levantar suspeita, passei também a usar camisa fora da calça. E, na hora de dormir, eu colocava o livro dentro da fronha do meu travesseiro. Li todo o livro, às escondidas, no banheiro, em horas oportunas. Concluída a leitura, fiquei extremamente maravilhado com o autor e sua obra. Passei a ser um leitor contumaz dos livros de Frei Leonardo Boff: "Jesus Cristo Libertador", "Graça e experiência humana", “A cruz nossa de cada dia", "O rosto materno de Deus", "Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos", “Paixão de Cristo - paixão do mundo" e "Ave-Maria". Fazer a leitura dos livros do teólogo franciscano Leonardo Boff foi algo preponderante para minha vida. Os livros dele me proporcionaram uma visão aprofundada da Eclesiologia. Em 1990, deixei o Nordeste e vim morar e estudar em Petrópolis. E o meu primeiro propósito de vida em Petrópolis foi conhecer, pessoalmente, o franciscano que havia sido punido pelo Vaticano com um "silêncio obsequioso". Quem me franqueou a possibilidade de estar com o então Frei Leonardo Boff foi D. Laura Martha, mãe do Prof. Paulo César dos Santos, o então Secretário Municipal de Cultura de Petrópolis.  O nosso encontro aconteceu nos jardins internos do Convento do Sagrado Coração de Jesus. Diante daquele homem tão culto, teólogo de primeira grandeza e com uma finesse receptiva, no primeiro momento, eu fiquei inerte. Aos poucos, eu fui perdendo minha timidez e pude aprender grandes lições com um mestre que abordava os assuntos dialogados de forma professoral. No final da nossa conversa, ele atendeu ao meu pedido e autografou os livros da sua autoria que eu havia levado. Despedimo-nos, beijei-lhe as mãos em sinal de meu profundo respeito e admiração, ele acompanhou-me até o imenso portão de saída do Convento. Já fora dos muros do Convento, eu tive a absoluta certeza, havia conhecido a personificação da sapiência teologal. Prof. Dr. Leonardo Boff, indubitavelmente, é o maior teólogo brasileiro vivo.     (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

OS ANSEIOS DO MEU CORAÇÃO

No Livro dos Provérbios 14:13a, está escrito: "Também entre risos chora o coração...". Tenho chorado corriqueiramente! Choro de maneira copiosa quando assisto, pelo noticiário da TV, que a violência desenfreada assola mundo afora. Choro quando o terrorismo destrói, sem dó e nem piedade, a nossa paz e nos deixa cheios de paúra (que o diga a sempre bela e amada Paris que foi a recente vítima de uma barbárie de atentado terrorista); ou quando leio um livro; quando assisto cenas de um filme ou ouço música. Choro quando faço a leitura dos jornais acerca dos imigrantes refugiados, fugindo dos seus martírios, tentando chegar à Europa (chorei em desmesura quando assisti a cena do resgate do corpo de pequeno menino sírio, Aylan Kurdi, que morreu afogado no Mar Egeu). Choro também quando fico de pés e mãos atados e não posso amenizar o sofrimento de um semelhante e quando pregam o ecumenismo, todavia, não o praticam; quando a intolerância, o racismo, a incompreensão e a ganância reinam no coração do ser humano. Tenho chorado em demasia, isto é fato do qual não me envergonho. E o que me choca, extremamente, não é o fato de eu, um homem feito, com cabelos esbranquiçados, prestes a completar meio século de existência, viver a chorar. Não, não é. O que mais me choca é que muitos vêem o que vejo e sequer ficam sensibilizados. Esboçam indiferenças para com as mazelas alheias. Infelizmente, repito: infelizmente, o ser humano, a cada dia que passa, está deixando de sentir amor pelos seus semelhantes. São Paulo, na Carta aos Gálatas 5:13, escreveu: "Coloquem-se a serviço uns dos outros através do amor". Amor: palavra com inúmeras definições. Entre tantas outras, amor é proteção, é doação, é compreensão, é devoção, é veneração, é contemplação, é oblação e é compaixão. Entretanto, há na palavra amor uma única essência: Deus! "Deus é amor", está escrito na Primeira Carta de São João 4:8. E o amor de Deus para conosco é um amor incondicional. Nós que somos amados por Deus, incondicionalmente, devemos ser portadores de um amor por Ele na mesma intensidade. O nosso amor por Deus, sobre hipótese alguma, deve ser estagnado. Nosso amor por Deus deve estar sempre em movimento, para que todos vejam e sintam que o nosso amor por Deus é vivo e atuante. É vivo porque Deus vive e reina. E é atuante porque somos instrumentos pelo qual Deus chega até aqueles que são os desassistidos sociais. São eles que necessitam de nosso respaldo espiritual e material. Conforme o relato no Evangelho de São Mateus 14:16, o próprio Jesus nos ordenou: "Dai-lhes vós mesmos de comer". Em breve, nascerá em Petrópolis uma Fraternidade. E esta Fraternidade terá como ÚNICO PROPÓSITO o de realizar caridade. A ideia deste projeto nasceu sob o auspício das palavras do Apóstolo São Paulo, descritas na Primeira Epístola aos Coríntios 13:4: "A caridade é paciente, é benigna, a caridade não é invejosa, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não busca seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade". Deus espera de nós, seus filhos, que cumpramos o que nos é designado por Ele. Se recebemos benesses, temos obrigação de compartilhar com aqueles que são os desassistidos sociais. A bíblia nos ensina: "Se alguém declarar: “Eu amo a Deus!”, porém não tiver amor pelo seu irmão, é mentiroso, porquanto quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não enxerga" (Cf. 1 João 4:19). Sei que não disponho de condições, humanamente falando, de equacionar a miserabilidade que flagela, cruelmente, os desassistidos sociais. Entretanto, darei, sem pestanejar, se necessário for, minha alma para diminuir a fome daqueles que, muitas vezes, não tem sequer uma migalha de pão para colocar na boca. E se eu tivesse mais alma para dar, daria. Quantas eu tivesse, eu daria, isso para mim é amar a Deus incondicionalmente.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

domingo, 12 de junho de 2016

"TRAGAM A TÚNICA NOVA"

Recebi a graça dos céus de ler os originais do primeiro capítulo do livro biográfico Tragam a túnica nova, de autoria do renomado Prof. Ataualpa Antônio Filho. E devo confessar, sem receio, que chorei ao ler algo tão verdadeiro, tão rico de evangelização, tão sublime de amor e tão humano, mas que transcende a compreensão humana por se tratar de oblação. Esta biografia que está por vir nascerá com duas primazias: a piore Tragam a túnica nova é escrita por um prolífico catedrático de literatura, que tem sua grandeza literária outorgada pela sua extraordinária poesia, suas estonteantes crônicas e uma corroborada formação teológica; não obstante, Tragam a túnica nova é uma biografia da vida e obra do Pe. Quinha, que foi de corpo e alma um puríssimo sacerdote e que agia in persona Christi na Diocese de Petrópolis. Uma verdade irrefutável desde já deve ser apregoada: o próprio Pe. Quinha, em vida, deu a incumbência ao Prof. Ataualpa Antônio Filho de escrever a referida biografia. É de domínio público que o amado e saudoso sacerdote e o pedagogo-escritor-biógrafo nutriam uma amizade recíproca. Ambos eram companheiros de missão na acolhida dos que viviam na sarjeta das drogas e na miserabilidade das ruas. E não há, repito: não há, neste mundo de meu Deus, uma fonte tão fidedigna como o Prof. Ataualpa Antônio Filho para dar testemunho escrito do amor perpetrado por Pe. Quinha em favor dos excluídos da sociedade. O magnífico título do livro, extraído da Parábola do Filho Pródigo (Cf. Lucas 15:11,32), foi escolhido pelo biografado. Padre Quinha fez do seu sacerdócio uma missão de pai acolhedor conforme o descrito na mencionada parábola. Nunca é de mais lembrar que a palavra padre, vem do latim patre, que significa pai. E como um pai zeloso, Pe. Quinha, após retirar do aprisco um "filho" espiritual, dava-lhe uma túnica nova (aqui a palavra túnica é uma metáfora para palavra vida. Portanto, túnica nova quer dizer vida nova). Após receberem a oportunidade de ter uma vida nova, muitos desses "filhos" foram reevangelizados e se tornaram cristãos autênticos. Tertuliano, através dos seus extraordinários escritos dentro da Teologia Trinitária, afirmou: "Os cristãos, como sabemos, não nascem cristãos, se fazem". Partindo do pressuposto desta visão, eu entendo que, para formar um cristão, é imprescindível que sejamos espelho de amor para aqueles que acolhemos. E amor pelo próximo, o Pe. Quinha tinha em demasia. No preâmbulo do primeiro capítulo de Tragam a túnica nova, há uma explícita manifestação da Mariologia que habitava no âmago do Pe. Quinha. A devoção dele por Nossa Senhora do Amor Divino era latente. Antes de proferir suas homilias profícuas de ensinamentos, Pe. Quinha conclamava os fiéis para que, juntos, rezassem uma Ave-Maria. Também era corriqueiro ouvir Pe. Quinha falar esta frase criada pelo seu coração Mariano: "Toda hora, todo dia de mãos dadas com Maria". Portanto, aqueles que conheceram Pe. Quinha iram se emocionar ao lerem Tragam a túnica nova. O filósofo estadunidense Ralph Waldo Emerson escreveu: "Na arte de escrever a mão nunca pode executar algo superior ao que o coração pode inspirar". Assim sendo, posso atestar que a obra é uma biografia escrita por inspiração do coração de um biógrafo que conheceu, vivenciou, testemunhou de maneira ocular e auditiva as maravilhas que o Pe. Quinha realizou na vida de muitos "filhos". E, ao mesmo tempo que fizerem aquisição do exemplar da biografia, não somente estarão comprando uma primorosa obra literária, como também contribuirão financeiramente com a Oficina de Jesus, fundada pelo Pe. Quinha, pois a renda arrecadada com a venda do livro será, na sua totalidade, destinada para Oficina de Jesus. Nós, que nascemos no seio da Igreja Católica Apostólica Romana, aprendemos desde muito cedo que: "Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão!", enquanto vida teve, Pe. Quinha se doou sem restrição. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)    

sábado, 11 de junho de 2016

NIHIL OBSTAT: SERVO DE DEUS PADRE QUINHA

Somente estive com padre Quinha uma única vez, quando ele era pároco da Igreja de Nossa Senhora do Amor Divino, em Corrêas. Todavia, foi o suficiente para reconhecer nele um legítimo sacerdote de Cristo. Um sacerdote que agia in persona Christi. Em meu livro STELLA, PALMAS PARA ELA, prestei, in memoriam, uma singela homenagem a este sacerdote que dedicou sua vida e apostolado ao amparo dos desvalidos. Há, no hinário da nossa Madre Igreja, um cântico, bem antigo, extraído das palavras de Jesus Cristo, que traz no refrão: "Prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão!". Tenho tido oportunidade de ouvir belíssimos testemunhos acerca da vida e do apostolado do padre Quinha, por intermédio do Prof. Ataualpa Filho. Este pedagogo é uma viva testemunha ocular e auditiva das inúmeras benéfices praticadas por padre Quinha. Para mim, como homem portador do Sacramento da Ordem, a vida e a obra de padre Quinha são sinais nítidos da presença de Deus Pai, que edificam e enriquecem a missionariedade da nossa Madre Igreja. O exemplo sacerdotal deixado pelo dileto padre Quinha deveria se tornar uma regra. Porque são raros, raríssimos, os presbíteros que fazem do seu apostolado uma oblação em favor daqueles que estão vivendo na miserabilidade extrema. Muitos são os padres que, erroneamente, pensam que ser clérigo é unicamente proferir uma bela homilia dominical. Não, não é suficiente. Uma bela preleção dominical é necessária, entretanto, não é o suficiente para validar uma autêntica vocação de um sacerdote de Cristo. A teologia vai muito além de belas palavras proferidas em uma homilia dominical. Mais do que as palavras, a teologia é um estado contínuo de prática que possa oferecer aos pobres e oprimidos a certeza que Deus Pai não faz acepção de pessoas (Cf. ATOS 10:34). São Tiago escreveu que fé sem obras é em vão (Cf. TIAGO 2:26). Deveras, nada, absolutamente nada nos deixa tão próximos do coração paternal de Deus Pai do que quando oferecemos comida aos famintos, abrigo aos desabrigados, roupa aos desnudos, visita aos doentes, amparo aos órfãos, assistência aos presos. Jesus Cristo deixou-nos este precioso ensinamento (Cf. Mateus 25:36). Padre Quinha foi um sacerdote que serviu em vida não somente à Igreja-Templo. Ele foi muito mais além. Ele serviu, em especial, aos infortunados, aos rejeitados e aos incriminados. Ele optou em enxergar Cristo Jesus naqueles que estavam nas ruas, sem nenhuma expectativa de vida e, sem pestanejar, acolheu quem precisava de acolhimento. Foi servo, com sua peculiar mansidão, dos excluídos da sociedade. Ele fez do seu sacerdócio uma oblação tal qual a descrita no Evangelho (Cf. Marcos 2:17). E por padre Quinha ter sido, em vida, uma personificação de amor ao próximo dentro de uma retidão de pensamentos, atos, palavras e ações, creio, piamente, que não há nihil obstat que possa impedir o preparo de um dossiê para ser entregue à Congregação para a Causa dos Santos. E esta, certamente, após os trâmites legais, não refutará de conceder o título de Servo de Deus ao padre Quinha, que tanto bem fez aos desvalidos de Petrópolis. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

ACIMA DO ILUSÓRIO

Eu passei muito tempo da minha vida tentando descobrir se eu era um escritor. Então, depois de um longo tempo de busca, me reconheci como escritor. Após este feito, passei muito tempo tentando descobrir que tipo de escritor eu era. E esta resposta me foi dada pelo renomado professor e crítico literário Péricles D'avila: "Você é um escritor sentimentalista. Tem uma verve literária extraordinária, mas é um escritor sentimentalista". Não obstante, ele ainda me fez esta ressalva: "Sentimentalismo está em desuso na literatura, virou clichê". Por mais absurdo que possa parecer para alguns, eu afirmo e reafirmo: eu escrevo para mim mesmo ou para satisfazer algo que há dentro de mim, que eu desconheço. Portanto, não fico me agarrando às estratégias mercadológicas das quais se apoderaram as editoras. Eu não me apego às regras literárias. Eu me agarro à idéia de escrever unicamente para o sentimento que vive permanentemente aflorado em mim. Não escrevo para ganhar dinheiro, escrevo para expor meus sentimentos. Creio, piamente, que não pode haver literatura sem sentimento. Aliás, sem sentimento não pode haver a criação de nenhum tipo de arte, porque a arte nasce daquilo que sentimos. Não há mesmo outra forma de criar arte sem ser pelo viés do sentimento. A prova cabal desta irrefutável verdade está neste verso do magnífico poeta português Fernando Pessoa: "Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir". É tão óbvio que sem o sentimentalismo tudo é inadequação, que se pode confirmar, categoricamente, que nem mesmo acima do ilusório o sentimentalismo perde a essência da ação criadora da arte. O cerne de toda criação da arte é extraída da imaginação do autor. Esta imaginação é aguçada pelo sentimento acometido de uma inesgotável sede de criar. Albert Einstein afirmava que "Imaginação é mais importante do que conhecimento. Conhecimento é limitado. Imaginação abrange o mundo". Da minha vida posso dar um verídico testemunho: não consigo enxergar meus dias, humanamente falando, sem literatura, seja ela ficcional ou religiosa. Não há um dia sequer em que eu não leia e escreva. E não leio e escrevo por obrigação, faço as duas coisas diariamente por prazer. O menestrel do modernismo, Mário de Andrade, costumava dizer: "Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi". É. Indubitavelmente, mesmo sendo eu um aprendiz do ofício de escrever, comungo com o menestrel do modernismo, Mário de Andrade, em número, gênero e grau. Ademais, sem titubear, posso afirmar: escritor e leitor é o que sou. Ser assim é o que me faz viver.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

A QUINTESSÊNCIA DAS SANTAS MISSÕES

Quando o Chanceler da Cúria anunciava que haveria Santas Missões pelo interior sergipano e que as Santas Missões teriam como pregador oficial o frade capuchinho Frei Damião de Bozzano, a população entrava em estado de graça. Igrejas e praças eram reformadas, as fachadas das residências recebiam novas pinturas, era feita aquisição de roupas novas, tudo com o intuito de receber o maior missionário peregrino que o Nordeste brasileiro já conheceu. Desconheço por completo, até os dias atuais, um missionário que percorrera com tanto ardor missionário o Nordeste brasileiro, assim como fez Frei Damião de Bozzano. Desde que deixou sua pátria mãe, a Itália, e veio ser missionário no Brasil, este missionário capuchinho, que não fazia parcimônia do uso da palavra de Deus, tornou-se um peregrino, um caminheiro que dava testemunho do infinito amor e da infinita misericórdia de Deus. Ainda na época da minha meninice, tive a graça e o privilégio de participar de várias Santas Missões sendo coroinha de Frei Damião de Bozzano. Por reiteradas vezes, beijei suas mãos e ele fazia o sinal da cruz em minha testa. Os cânticos entoados nas Santas Missões, conhecidos também como Benditos Populares, eram primordiais, tais como: "Vinde Pais, Vinde Mães". Eis primeira estrofe: "Vinde pais e vinde mães, vinde todos à missão, para cuidar como cristãos e alcançar a salvação". Outro cântico bem requisitado: "Vem Caminheiro", cujo refrão é este: "Vem caminheiro o caminho e caminhar, vai peregrino seu amor testemunhar". Por todo Nordeste, há porfias que dão conta que Frei Damião de Bozzano carregava consigo uma forte ligação com a intervenção divina. Existem afirmações que ele fez chover em Porto da Folha, sertão sergipano, depois de um longo período de estiagem. Dizem que em Santana do Ipanema, sertão alagoano, ele fez um afortunado dono de terras comer capim vaqueiro tal qual um asno, depois que o referido latifundiário chamou de burro o missionário capuchinho. O rico proprietário de terras abandonou o estranho hábito de comer capim vaqueiro após pedir desculpas. Também é de domínio público que em Sousa, sertão paraibano, ele recusou a dar a sagrada hóstia a uma moçoila que trajava uma minissaia. Mediante a recusa, ela destratou verbalmente o Frei. Logo em seguida, ela perdeu a fala e só a recuperou depois do arrependimento. Sendo lendas ou fatos verídicos os que se atribuem a Frei Damião de Bozzano, o que é incontestável é a missionariedade que ele viveu e ensinou por onde passava. Durante as Santas Missões era comum haver procissão antes da alvorada do dia com o povo da cidade para o arrependimento dos pecados praticados. E, à frente da procissão, sempre ia Frei Damião, entremeando a oração do terço e os Benditos Populares. Outro grandioso feito espiritual de Frei Damião foi sua incansável disposição para atender confissões. Ao término da procissão, iniciada na madrugada, ao retornar para igreja matriz, sem ter descanso algum, o frade capuchinho dirigia-se ao confessionário e lá ficava horas a fio ouvindo e perdoando os pecados do povo. A última vez que eu estive com Frei Damião de Bozzano, ele estava com 95 anos. Como sempre, encontrei-o com o terço nas mãos, rezando, com uma voz quase inaudível. Após a oração do santo terço, aproximei-me dele e beijei-lhe as mãos. E ele, como das outras vezes, fez o sinal da cruz na minha testa. Depois de um curto período de conversação, pude constatar que, mesmo com sua idade avançada, ele tinha uma memória eidética, lembrava fatos de priscas eras. Três anos após este nosso mencionado encontro, Frei Damião partiu, com sua missão cumprida, para casa de Deus. Hoje, encontra-se em andamento na Santa Sé, no Vaticano, um processo de beatificação para Frei Damião de Bozzano. Para muitos nordestinos, Frei Damião já é um santo. Todos os dias, romeiros chegam ao Convento São Félix, no Recife - PE, e vão à Capela de Nossa Senhora das Graças, onde está enterrado o corpo do incomparável missionário capuchinho dos sertões, para suplicarem sua intercessão.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)

A ESPIRITUALIDADE DO CORAÇÃO DO PAPA FRANCISCO

Há na Igreja uma viva e atuante Teologia Moral. E este novo viés de Teologia Moral está arraigada na espiritualidade que nos é propiciada pelo Papa Francisco. Sua singular forma de evangelizar é algo que fascina, deixando-nos em êxtase de contemplação. A Cátedra de Pedro não o transformou em um Pontífice inacessível. Ele sempre está no meio do povo. Ele abraça o povo. Ele beija o povo. Ele acalenta o povo. O Papa Francisco continua sendo o mesmo abnegado "Padre do Povo", cognome que ele ganhou quando ainda era o neo-sacerdote Jorge Bergoglio, em Buenos Aires, Argentina. Mesmo sendo ele portador de uma extraordinária formação intelectual jesuítica, ele possui um dom que faz sua catequese ser compreendida e absorvida por todos. É impossível não enxergar, nitidamente, nos gestos, nas opções e nos atos do Papa Francisco o que determina o documento final da Conferência de Puebla, México. Dentre outros capítulos, quero destacar: "Uma Igreja servidora que anuncia que os pobres e os jovens constituem a riqueza e a esperança da Igreja".              Quando era arcebispo metropolitano de Buenos Aires, perguntavam-lhe por que ele mesmo cozinhava a própria comida e andava de ônibus. Ele respondia sem pestanejar: "O meu povo é pobre e eu sou um deles". Este é o inconfundível carisma propagado e vivenciado pelo Papa Francisco. Não tem como não ser apaixonado por este Servo dos Servos de Deus. Na pessoa do Papa Francisco, indubitavelmente, encontramos a personificação dos Santos Evangelhos, e essa plenitude é algo excepcional, porque, para muitos, o entendimento bíblico dá-se, unicamente, através da moral e da espiritualidade que irradiamos no nosso dia a dia. Inegavelmente, o Papa Francisco está sendo um multiplicador de fiéis da nossa amada Igreja Católica Apostólica Romana. São inúmeros os testemunhos dados por fiéis que estavam afastados e, com a chegada do Papa Francisco, encontraram o arrimo de um pai acolhedor e voltaram para o seio da Santa Madre Igreja. Quem participou da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, em 2013, pode comprovar a imensidão de pessoas presentes na orla do mar de Copacabana. Não há exagero em afirmar que a JMJ-Rio parecia uma passagem bíblica (Cf. Lucas 5:1-11). Através da pneumatologia aprendemos que o Espírito Santo age de acordo com a vontade soberana de Deus. Portanto, o último Conclave, que elegeu o Papa Francisco, sem nenhuma sombra de dúvidas, foi um certificado autêntico que Deus ama em demasia a sua Igreja. A irrevogável decisão do Papa Francisco de realizar a tão almejada reforma na Cúria Romana é mais uma comprovação da sua visão de que a Igreja não está alicerçada em vontades de homens, e sim na verdade irrefutável da moral e da espiritualidade de uma Igreja Santa. E, para este intento, o Papa Francisco haure a força para cumprir esta sua missão. Este Ano Santo da Misericórdia (de 08/12/2015 à 20/11/2016), proposto pelo Papa Francisco, é uma prova cabal da sua moral e da sua espiritualidade que são vivas e atuantes. Tal qual o Apóstolo São Paulo, o Papa Francisco dá testemunho da infinita misericórdia de Deus: “Deus rico em misericórdia” (Cf. Ef 2,4). Dentro deste parâmetro canônico, pode-se afirmar que tudo neste vigente papado está alicerçado na inferência teológica moral e espiritual do Papa Francisco, que está refletida na sua própria alma. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)    

quarta-feira, 8 de junho de 2016

HOJE O SOL NÃO APARECEU

Certa feita, li um belíssimo artigo no The New York Times, onde estava escrito que toda mulher é a primazia do viver. Eu, desde priscas eras, sempre coloquei e coloco as mulheres em pedestais. Pode ser clichê, mas não abro mão do meu ponto de vista: as mulheres são sempre flores que irradiam vida. Mulheres são poemas perfeitos que alcançam a imortalidade. E através da maternidade, as mulheres infindam o círculo do existir. Mulheres são devocionais: ontem, hoje e sempre.  Por que estou a divagar com este assunto, por assim dizer, feminista? Porque, nem no meu mais longínquo pensamento, um dia imaginei que iria ler em jornais e assistir nos telejornais que, no Brasil, ocorreria algo tão escabroso e tão vil como um estupro coletivo, tal qual ocorreu em uma Comunidade da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro: - Meu Deus, por quê? Por quê?  Por que aquela jovem menina de dezesseis anos teve que sofrer nas mãos de trinta e três impiedosos algozes? Esta barbárie brasileira, sem precedentes, pelo menos no que tange aos noticiários, fez-me enxergar, com extrema clareza, que a humanidade está se distanciando cada vez mais de Deus. Ao que parece, estamos fazendo a travessia de um deserto, onde não há lugar para Deus ou onde a humanidade não quer a presença dEle. Portanto, sem Deus, pode-se praticar, neste deserto, as mais terríveis atrocidades, pois a impunidade corre solta. A barbárie protagonizada por trinta e três selvagens, contra uma jovem menina de dezesseis anos, que ganhou noticiário mundo afora, é inadmissível até mesmo para o mais insensível dos homens. Diante deste ato covarde e insano, devemos adentrar numa reflexão sobre a mais sagrada de todas as instituições: a família. Como pais, onde estamos errando com os nossos filhos? Como estamos conduzindo a criação deles? Somos pais que damos exemplos éticos e morais a eles? Por que os nossos filhos estão optando pela desonra da família? Por que os estamos perdendo para as drogas e para a criminalidade? Estas são questões que têm que ser colocadas em pauta no seio familiar. No dia em que o estupro coletivo foi consumado, a cidade do Rio de Janeiro amanheceu ora nublando, ora garoando. E esta instabilidade do tempo, que contrariava as informações do serviço meteorológico (que afirmou que o dia seria predominantemente de sol aberto), causou-me muita estranheza. Depois que pipocaram na imprensa televisiva as notícias acerca do crime, compreendi o porquê do sol não aparecer naquele dia. Eu disse a mim mesmo: hoje o sol não apareceu, porque o céu estava em pranto ao ver que já não há amor entre os semelhantes na face da terra.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)