terça-feira, 12 de julho de 2016

UMA AMIZADE ESPIRITUAL

Conheci o Prof. Ataualpa Filho no início dos anos 90, em uma Livraria-sebo, que funcionava na sobreloja da Galeria Santo Antônio. Éramos assíduos frequentadores do referido estabelecimento comercial. Quando ocorria nosso encontro, o proprietário da Livraria-sebo sempre brincava conosco, fazendo gracejo com sotaque nordestino, dizendo: “-Oxente, arrepara! Dois poetas nordestinos cabras da preste. Cadê a peixeira?”. E isso aconteceu reiteradas vezes. Até que um dia passei por cima da minha contumaz timidez e perguntei se ele poderia fazer a revisão dos originais do meu livro: Contemplação / Poesias Teológicas. Ele, com sua peculiar finesse, não colocou objeção alguma e aceitou a incumbência. Na data marcada para me devolver os originais revisados, sentamos num banco que havia no corredor da Galeria Santo Antônio e ouvi elogios acerca dos meus escritos. Fiquei tão emocionado com os elogios recebidos que me senti tomado por grande regozijo, pois a opinião do Prof. Ataualpa Filho que, já naquela época, era um notório intelectual aplaudido em Petrópolis, correspondia a um prêmio. Devo ressaltar que o professor não quis receber pagamento pelos préstimos de revisor dos meus originais. Insisti em efetuar o pagamento e ele não quis. Indubitavelmente, ele foi e continua sendo um homem desapegado a bens materiais. A amizade que ele oferece é gratuita. Não pede nada em troca. Não tem interesse em angariar presentes. O Prof. Ataualpa Filho foi o primeiro intelectual com quem tive contato em Petrópolis. Por consequência, conheci os demais intelectuais: Prof. Paulo Machado, Prof. Monsenhor Paulo Daher, Profa. Carmen Felicetti, Prof. Gustavo Wider, Prof. Fernando Magno, Profa. Christiane Michelin, Prof. Antônio Taulois, Profa. Vera Abad, Prof. Luiz Carlos Gomes, Prof. Paulo Cesar dos Santos, Prof. Leandro Garcia, Prof. Humberto Leal, Profa. Catarina Maul e Prof. Gerson Valle. No final dos anos 90 perdi o contato com o professor. Saí de Petrópolis para estudar fora. Retornando à cidade, reencontrei o mestre já na condição de confrade da Academia Petropolitana de Letras e da Academia Brasileira de Poesia. Entretanto, somente no primeiro semestre deste ano, foi que eu descobri algo que, até então, desconhecia completamente sobre o professor: ele é um homem, dos pés à cabeça, portador de uma vocação de missionariedade leiga, à flor da pele. Sua vocação de missionário leigo é bela e é uma autêntica resposta de um sim diante do chamamento de Deus para cumprir a missão que lhe é confiada. Trata-se do mesmo chamamento vocacional que está descrito no Livro do Profeta Jeremias 1:5: “Antes que no seio fosse formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu te havia consagrado”. Foi em um sábado que encontrei, casualmente, Prof. Ataualpa Filho, na rua do Imperador. Ele usava uma camisa de malha com a estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Primeiramente, ele me convidou para o lançamento do livro “Filosofia do povo / Sabedoria de vida”, de autoria do Prof. Monsenhor Paulo Daher. Em seguida conversamos horas a fio sobre devoção mariana, sobre fé e sobre espiritualidade. E devo confessar que fiquei extasiado com toda sua sabedoria de conhecimento teológico. Repito, eu desconhecia completamente que ele era dono de uma religiosidade tão arraigada, de uma fé incomensurável. Portanto, para meu imenso contentamento, além da sua grandiosidade intelectual, o professor também é um missionário leigo engajado, com uma espiritualidade enraizada no amor ao próximo. Ele tem me oferecido lições de espiritualidade de valor incalculável. Aqui afirmo sem titubear: o que tenho aprendido com ele, quando dos nossos encontros, é mais precioso do que eu aprendi no meu mestrado de Ciências da Religião e no meu doutorado em Teologia Bíblica. O Prof. Ataualpa Filho tem, literalmente, uma alma e um coração franciscanos. Quando escrevo franciscano, não estou me referido à Ordem dos Frades Menores, estou me referido ao próprio São Francisco de Assis. E assim como São Francisco de Assis, ele vive e prega a simplicidade, a partilha e a união. Diferente do que nos ensina, persistentemente, o status quo: o consumo, o acúmulo e a competição. Certa feita, estávamos o professor e eu, conversando na Praça Paulo Carneiro, quando, de repente, um morador de rua, se aproximou do professor e o cumprimentou. E o mestre correspondeu às expectativas do excluído da sociedade com extremo zelo e afeto. Sendo eu um espectador daquela comovente cena em via pública, mais uma vez, me fez sentir um ser humano melhor com aquele seu gesto acolhedor para com um desvalido. Poucos sabem, mas ele foi um fiel escudeiro do saudoso Pe. Quinha. Com este sacerdote de Cristo, que já se encontra na casa de Deus, o professor percorreu os mais diversos bolsões de pobreza levando não somente alimento para o corpo, como também o essencial, que é o alimento para a alma. Não me farto em afirmar e reafirmar: nada, absolutamente nada, nos deixa tão próximos do rosto de Deus do que a prática da caridade. São Filipe Néri já dizia: “quem pratica a caridade ganhará o Paraíso”. Acerca de São Filipe Néri faço saber que quando era padre, recusou o convite do Papa para receber o cardinalato. Optou ele em ficar cuidando dos pobres e rejeitados. A caridade sempre pontuou sua vida de sacerdote de Cristo. Tenho orgulho de ser um discípulo, no aprendizado, do Prof. Ataualpa Filho. Seus gestos, suas ações e seu amor ao próximo são exemplos a serem seguidos. Rogo a Deus que me conceda sempre a graça de poder ter o privilégio de compartilhar sempre da sua convivência, dos seus ensinamentos e da sua amizade. Tenho plena convicção de que nossa amizade é uma amizade espiritual. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)