terça-feira, 5 de julho de 2016

FORO PRIVILEGIADO

Quase não houve tempo hábil para o deputado federal Tonísio Pontes refazer-se do susto tomado por conta do recebimento do convite para ele depor na Comissão Parlamentar de Inquérito, que investiga a desenfreada corrupção sistêmica no Brasil. E não obstante, o nobre parlamentar também estava sendo chantageado, naquele mesmo dia, pela revista Turbilhão, que detinha em seu poder várias fotos comprometedoras dele em uma boate gay, em Ceilândia, no Distrito Federal. Como um acordo financeiro não havia sido aferido, as fotos seriam publicadas.  - Com chamada da matéria em letras garrafais, na capa da revista Turbilhão, que estará nas bancas amanhã antes da aurora. - sentenciou o jornalista extorsionário.  - “Além da queda, o coice”. - lamentou-se o parlamentar após desligar o telefone na cara do chantagista. Para quem era apresentado no cenário nacional como guardião ferrenho da moral e dos bons costumes, o deputado Tonísio Pontes, até então tido como incorruptível, estava atravessando um legítimo inferno astral. A força egrégora estava impregnada em todo seu ser. O congressista tentava a todo custo arrumar uma solução para seu dilema. Buscou abrigo e orientação nos conselhos do seu amigo e confidente Dom Izauro Fagundes, bispo diocesano de Trilhos Urbanos - BA, sua terra natal e base eleitoral. Ex-seminarista e orador sábio, Tonísio Pontes tinha como bandeira para angariar votos a moralidade e a ética na política. Foi um choque brutal para os incontáveis eleitores baianos e admiradores, no Brasil afora, verem seu nome comprometido em dois escândalos infames. O parlamentar baiano enclausurou-se no seu apartamento funcional em Brasília esperando o desenrolar do calvário pessoal. A maior preocupação de Tonísio Pontes não era a cassação do mandato parlamentar, mas sim a divulgação das fotos picantes dele na boate gay, na Ceilândia, pois sua mãe, uma septuagenária, não suportaria tal desfrute do seu único filho varão. Vendo que tudo estava se encaminhando para a sua derrocada política e moral, sabendo que não havia a mínima chance de recuperar a dignidade perdida, enxergou aquilo que, para ele, era a única saída: começou a arquitetar o plano da sua morte. Como sempre se vestiu impecavelmente, pois era muito vaidoso, com um dos seus muitos ternos Giorgio Armani, como se fosse a uma seção na Câmara dos Deputados. Despediu-se da mãe com muitos beijos e choro, enquanto ela fazia a sesta depois do almoço. Em seguida, dirigiu-se à janela do apartamento, que ficava no 8º andar, e se atirou rumo ao chão. A notícia do suicídio do congressista alastrou-se feito pavio de pólvora e paralisou Brasília. Assim como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal também se esvaziou. Todos queriam ver o corpo do deputado Tonísio Pontes estatelado no chão. A cena vista era de cortar o coração: encontraram a mãe do político suicida chorando copiosamente e agarrada ao corpo, como se quisesse colocar o filho novamente dentro dela para depois devolver-lhe a vida. Então, a genitora do suicida foi amparada pelo deputado Sameiro, parlamentar, amigo e companheiro de noitada do falecido. Os dois eram frequentadores assíduos da boate gay da Ceilândia. - Deputado Sameiro, o meu menino... O meu único filho homem... Por que ele se suicidou? Por quê? Ele foi quase padre, sabia que o suicídio é uma coisa abominável aos olhos de Deus... Quem tira a própria vida não tem direito ao céu. - Calma, dona Edna! Tenha calma! Não esqueça que seu filho é deputado federal e, como tal, tem direito a foro privilegiado. Assim na terra, como no céu! (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)