sexta-feira, 8 de julho de 2016

PROCLAMAÇÃO DO AMOR

Sempre ouvi dizer que "não há atalho para felicidade". E não há mesmo! Enquanto estava fazendo meu jogging matinal, nos jardins do Museu Imperial, pude me certificar dessa verdade irrefutável. Meus olhos sempre foram transmissores de bons sentimentos. E não foi deferente quando enxerguei Emily, sentada em um dos bancos dos jardins, mergulhada na leitura do livro "Musgo e Vento", do poeta Fernando Magno. Emily, a minha Emily de trinta e cinco anos atrás. A mesma por quem fui apaixonado perdidamente e de quem tive que abrir mão por causa de um preconceito enraizado nas pessoas desde que o mundo é mundo: gente pobre não pode amar gente rica. Ledo engano quem pensa que o amor não tem suas próprias vontades. O amor é o único sentimento que cria suas próprias regras. E uma dessas regras é que o amor, quando é verdadeiro, é perseverante. Minha história de amor com Emily está inserida no contexto desta frase da escritora Françoise Sagan: "amei até ao ponto da loucura, aquela a que se chama loucura, que para mim é a única forma sensata de amar". Esta é uma abjeta expressão da verdade. Depois de longos trinta e cinco anos, novamente estou diante Emily. Não a procurei durante todos estes anos, mesmo não havendo um só dia já vivido, depois da nossa separação, que eu não tivesse lembrado do meu incomensurável amor por ela. Mesmo assim, cumpri o acordo que minha família, paupérrima, fez com a família afortunada de Emily. Acordo este assim averbado: os pais de Emily se comprometeram a pagar a minha faculdade de medicina, incluindo os caros livros, desde que a cursasse em outra cidade. Após a concordância aferida, minha família e eu fomos embora de Petrópolis, sem olhar para trás. Todavia, hoje, já sendo eu um médico conceituado, estando em Petrópolis somente como palestrante de um Congresso de Medicina, o destino se encarregou de promover nosso reencontro nos jardins do Museu Imperial. Apesar da passagem do tempo, Emily continuava dona de uma inconfundível beleza. Será que ela me reconheceria? Ainda continuaria vivo nas suas lembranças? O que fez Emily durante estes trinta e cinco anos? A princípio, confesso que fiquei imensamente receoso de me aproximar dela. Quando tomei coragem de ir ao seu encontro ou, pelo menos, passar bem próximo ao banco onde ela estava sentada e lendo, fui dissuadido por um gesto de uma criança, presumivelmente de sete anos de idade, que surgiu, como num passe de mágica, com os abraços abertos, alardeando para quem quisesse ouvir: - Vovó, vovó Emily, meu nariz está sangrando. Veja! - Oh, meu Deus! O que aconteceu, Joaquim. Você caiu? - Não, vovó, eu não caí, simplesmente meu nariz começou a sangrar, do nada! - Calma, calma! Por Deus, há de não ser nada de grave. Em um rápido espaço de tempo aglomeraram-se, em volta de Emily e da criança, inúmeros curiosos. Como médico, não podia ficar sem oferecer meus préstimos àquela criança. Meu Juramento de Hipócrates falou mais alto, não pestanejei, dei um chega pra lá na minha timidez contumaz e fui socorrer o neto de Emily. - Com licença, eu sou médico. Posso examinar a criança? Para minha surpresa, enquanto fazia algumas observações para constatar o motivo do sangramento no nariz do menino, Emily fixava continuamente os olhos em mim. Após fazer as observações, puder ter certeza absoluta que o sangramento nada era além de uma simples epistaxe provocada pela mudança brusca do clima. Limpei o nariz da criança (o sangue já havia estagnado) com lenços de papel que sempre carrego comigo para secar o suor. - Pronto, resolvido o problema! Como é o seu nome, jovem rapaz? - Meu nome é Joaquim! E esta é minha avó Emily. - Pronto, Joaquim, pode voltar a brincar, seu nariz não vai mais sangrar. - Obrigado! - Vovó, posso voltar a brincar? - Bem, se o Dr. Dionísio Marcondes lhe deu autorização, quem sou eu para dizer o contrário? Pode ir brincar, querido. Todavia, não se afaste muito da minha visão. - Esta bem, vovó querida! Assim que a criança afastou-se e os curiosos se dispersaram, não contive minha emoção por estar diante da mulher que sempre amei. A única que amei. - Emily! Você me reconheceu... você me reconheceu, meu amor! -Não seria amor o que sempre senti por você, desde o momento em que nos conhecemos, se eu não o reconhecesse. Mesmo passados trinta e cinco anos sem nos vermos... Poderiam até ter-se passado milênios. Quem ama verdadeiramente, nunca esquece aquele por quem se tem amor. Nunca! Porque um grande amor é eterno. Eu sabia, eu sempre soube, um dia, o nosso amor, nosso grande amor, se encarregaria de nos unir novamente. - Emily, temos tanto a conversar! Preciso lhe explicar as razões que me fizeram sair da sua vida de forma tão abrupta. - Não, amor, não há necessidade alguma de que me dê explicações. Eu estou ciente de que meus pais foram ardilosos e arquitetaram um plano para nos separar. - Mas eu fui covarde. Eu não mereço seu amor, Emily. Eu abri mão do meu grande amor por você em troca de dinheiro. Eu tinha a obrigação de lutar pelo nosso amor. Começando por demover meus pais da decisão de aceitar dinheiro de sua família. - Amor, amor, pare com essa sofreguidão. Não se culpe por nada. Se não fosse o dinheiro que minha família deu para seus pais, hoje você não seria o médico renomado que é. Por que você está tão surpreso, amor, por eu saber coisas da sua vida? Eu sei de tudo sobre você. Sei que você nunca casou. Sei que você se guardou para mim. O mesmo que eu fiz durante estes trinta e cinco anos. - Mas se você guardou-se para mim, como tem um neto? - Esta doce criança que você conheceu não é meu neto consanguíneo. Ele é filho da Vilma, senhora que trabalha na minha casa. Joaquim, desde que nasceu, convive comigo e, desde que aprendeu a falar, me chama de vovó. - Emily, se você sempre soube tudo da minha vida, por que não me procurou, meu amor? - É simples. Eu não lhe procurei, amor, porque você precisava construir uma carreira médica sólida, ser respeitado. E conseguiu, amor! Você conseguiu, Dr. Dionísio Marcondes. Hoje, é um médico respeitado aqui no Brasil e fora dele. É dono de um dos hospitais mais sofisticado do país. Agora você é um homem rico. Tem mais dinheiro do que minha família, e ninguém, ninguém poderá dizer que seu amor por mim é por causa do dinheiro que tenho. E, além disso, uma das virtudes do verdadeiro amor é a perseverança. Tal qual está bem definido na estrofe da música da autoria de Chico Buarque:   "O amor não tem pressa Ele pode esperar em silêncio Num fundo de armário Na posta-restante Milênios, milênios No ar." Após Emily cantarolar a estrofe da belíssima canção, beijei-a com toda a intensidade que somente um verdadeiro amor possui. O nosso beijo somente foi interrompido quando percebemos que estávamos em um círculo formado por pessoas que nos aplaudiam. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)