quinta-feira, 7 de julho de 2016

OS ÍDOLOS DE LILIAN

Agora estava tudo consumado. Não adiantava negar o óbvio, o nome da minha família estava mesmo atolado num lodaçal. Estávamos tomando o café da manhã quando a governanta trouxe para meu pai o jornal, do qual ele era assinante, dobrado. Para desespero geral, estava na primeira página uma foto, tamanho 10x15, do meu pai com a seguinte legenda: “Este político é um corrupto que desviou mais de R$ 160 milhões de reais dos cofres públicos”. Eu não sei, exatamente, o que são R$ 160 milhões. Eu só sei que tem muitos zeros e, se tem muitos zeros, é porque é uma soma astronômica de dinheiro. De uma coisa eu tenho certeza absoluta, o pessoal do jornal devia ter mais consideração com meu pai, afinal de contas, ele é assinante do jornal há mais de vinte anos. Eles não poderiam publicar a foto do meu pai e, ainda por cima, chamá-lo de político corrupto. Assim que tiver oportunidade, vou pedir ao meu pai que cancele a assinatura do jornal. Durante todo o dia, minha mãe ficou trancafiada no quarto e tomou tantos remédios que estava com a aparência de um zumbi. Meu pai passou horas a fio ao telefone falando com os advogados que cuidavam de sua defesa. E eu fui terminantemente proibida de sair de casa. Ir aos shoppings diariamente era coisa sagrada para mim. Também, mesmo se quisesse sair não poderia: a entrada do condomínio onde morávamos, na Barra da Tijuca, vivia  empesteada de jornalistas querendo, a todo custo, entrevistar meu pai. Para azedar de vez nossa situação, à noite, o “Jornal Nacional” exibiu uma matéria dizendo que papai era o chefe de uma quadrilha formada por políticos que desviavam milhões dos cofres públicos. Ele levantou-se da poltrona xingando Deus e o mundo. Mamãe, como sempre, chorava descontroladamente, deu ordens proibindo os empregados de ligarem a TV,  o rádio e que rasgassem o jornal assim que o jornaleiro fizesse a entrega pela manhã. Pela primeira vez achei o âncora do "Jornal Nacional", William Bonner, feio. Sempre achei que ele era o homem mais bonito do telejornalismo brasileiro. E aqueles cabelos grisalhos... eram um charme a mais... Mas, depois que Bonner falou aquelas coisas horrendas no “Jornal Nacional” sobre meu pai, passei a achá-lo feio. Ele não é mais o meu ídolo. Até rasguei da minha agenda o autógrafo que ele havia me dado, no dia em que ele foi fazer uma palestra no Colégio Santo Inácio, onde estudo desde o maternal. O papai é o melhor pai do mudo. Tudo o que eu peço ele me dá. Nunca diz não! Eu aproveito a condição de ser filha única, pelo menos legitimamente. É que meu pai tem um filho bastardo, que mora em Brasília. As pessoas mais próximas da minha família acham que meu pai está sendo usado como bode expiatório. Há até quem coloque a mão no fogo pela idoneidade dele. O erro que ele cometeu foi confiar excessivamente nos outros, dizem os amigos. Por ser político, vive cercado de gente mal intencionada. Portanto, tudo que ele fez como político, fez dentro da mais completa lisura. Fez tudo com boa fé. Quem garante é o Dr. Abelardo Alcântara, um dos muitos advogados que lutam para inocentá-lo. Toda noite papai vem ao meu quarto, me dar um beijo de boa noite e mesmo se eu estiver dormindo, ele me beija. Naquela noite não foi diferente: mesmo com o mundo caindo em sua cabeça, ele veio até meu quarto com minha mãe e me beijou. Não sei por que, fechei meus olhos e fingi que estava dormindo, ouvi quando ele dialogou com minha mãe: - Temos que tirar a Lilinha do Brasil. - Por quê? Você acha necessário tomar essa medida tão drástica? Ela é apenas uma menina de 13 anos... Tão criança e já tendo que passar por tudo isso... Quando é que viajaremos? - Nós não podemos viajar com ela, nossos passaportes foram apreendidos pela Polícia Federal. - Lilinha vai viajar sozinha para os Estados Unidos? - Não! Lilinha vai viajar com Vilma, nossa governanta. Ela será a tutora da nossa filha. - Mas por que a governanta? Uma mulher nordestina, de nenhuma instrução. - Esta mulher nordestina de nenhuma instrução, governanta da nossa casa, é a dona de toda nossa fortuna. Eu coloquei os R$ 160 milhões em nome da Vilma, em uma conta na Suíça. - Você é mesmo um político corrupto de merda! Como é que você rouba R$ 160 milhões e coloca tudo no nome de uma retirante sem eira nem beira, que mal sabe assinar o próprio nome? - Olha lá como você fala comigo, heim! Será que você não consegue enxergar o óbvio? Justamente por ela ser uma semi-analfabeta é que posso confiar nela. Ela confia cegamente em mim! Vilma assina qualquer documento que eu mandá-la assinar... Agora  vamos. Vamos sair daqui para não acordar a Lilinha. Depois desta cena, não consegui mais abrir os olhos, realmente adormeci, de verdade. No dia seguinte, cheguei à conclusão que aquela terrível confissão do meu pai não passou de um pesadelo, provocado pela turbulência que minha família atravessava. Imagine se meu pai, idolatrado, seria desonesto? Um homem feito meu pai é raro! Sempre preocupado com os menos favorecidos. Eu amo muito meu pai, ele é o meu ídolo. Na manhã seguinte quando saí do meu quarto para tomar café, encontrei várias malas na sala, curto e grosso meu pai falou: - Hoje, às 11h, você embarcará para Miami com dona Vilma, as duas ficarão em nosso apartamento em Miami. Depois, sua mãe e eu iremos ao encontro de vocês. Não esbocei nenhuma reação contrária às ordens do meu pai. Ciente de que eu estava diante de uma situação inconsútil para minha vida, fiquei calada durante todo o trajeto até o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim. Quando o avião levantou voo, vi que tudo que havia acontecido em meu quarto na noite anterior, não havia sido pesadelo, mas sim a incontestável verdade do meu pai. Eu não o amo mais. Eu amo a Vilma, minha tutora. Ela sim é minha ídola. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)