domingo, 3 de julho de 2016

DEUS, UM AMIGO E UM LIVRO

Um sonho me atormentava insistentemente, me perseguia. No sonho eu era gerado no ventre de uma baleia. Uma estonteante e enorme baleia havia me parido! Comecei a ter este sonho persistente depois que ouvi a homilia proferida pelo monsenhor Assumpção, na Missa das 9 h, do último domingo, na Igreja Nossa Senhora do Bom Parto. Na referida homilia o sábio sacerdote fez a citação do Evangelho de São Mateus 12,39-40: "Assim como Jonas esteve no ventre da baleia por três dias e três noites, Ele estaria no coração da terra". A mamãe sempre ralha comigo quando eu falo que vou contar este meu sonho para alguém. Principalmente porque, segundo minha genitora, este sonho é um presságio. Entretanto, mesmo não tendo contado a ninguém sobre meu sonho, além da mamãe, ontem recebi um insólito convite impresso para participar de uma sessão de regressão, uma TVP (Terapia de Vidas Passadas), com a renomada terapeuta francesa, Dra. Alicia Martin, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro e atenderia um seleto grupo de pessoas. No rodapé do convite estava escrito: "Répondezs'ilvousplaît". Mesmo estando descrente em obter êxito em me livrar do sonho repetitivo com a baleia, confirmei presença na sessão de TVP. Assim que adentrei na luxuosíssima sala de espera da clínica, localizada no Leblon, onde a terapeuta francesa estava atendendo, a recepcionista perguntou se eu aceitava um suco, uma água ou um café. Respondi que não e agradeci. A recepcionista, gentilmente, solicitou que eu acatasse um procedimento de boas-vindas e me pediu que retirasse de uma urna dourada um papel de cor branca, tipo cartão de visita dobrado. Ao ler a mensagem que estava escrita no papel certifiquei-me de que era uma estrofe de um poema da poeta mineira Adélia Prado: "Ao escolher palavras com que narrar minha angústia, eu já respiro melhor. A uns, Deus os quer doentes, a outros quer escrevendo." Para mim, indubitavelmente, aquela estrofe era uma incógnita. Não demorou muito a chegar minha vez de ser atendido, apesar de não ter visto ninguém sair de dentro do consultório. Depois tive conhecimento de que os pacientes atendidos pela terapeuta saíam por outra porta, ou seja, os pacientes não se viam. O anonimato era o diferencial oferecido. Fui convidado a entrar no consultório. A primeira grande beleza que me deixou impressionado dentro da suntuosa sala, foi um enorme quadro de óleo sobre tela, sob duas luminárias, de um belo mancebo tocando um alaúde. Aproximei-me do quadro pendurado na parede e pude constatar que a pintura era de autoria de Caravaggio. Fiquei tão hipnotizado pela pintura, que não percebi que a Dra. Alicia chamou-me repetidas vezes. - Professor Áureo, Professor Áureo... Tudo bem, com o senhor? Podemos começar nossa sessão? - Sim, podemos. Mil perdões pela minha inércia momentânea de sentidos, doutora. É que este quadro é uma visão da perfeição. Esta belíssima obra de arte me hipnotizou! É algo fascinante. É uma réplica ou um Caravaggio original? - É um Caravaggio originalíssimo, Professor Áureo! Por gentileza, queira deitar-se na “chaise longue”. - fez-me o convite quase ciciando. Ao fixar meu olhar no rosto da Dra. Alicia, tive a nítida sensação de que eu já havia estado com ela em algum lugar. Ela era linda, inteligente, elegante e perfumada. E tinha os olhos azuis mais estonteantes que eu já havia visto em toda a minha vida. E antes que fosse dado início a sessão, eu a interrompi: - Dra. Alicia, já não nos conhecemos? - Acho pouco provável, Professor Áureo! Eu somente venho ao Brasil de dois em dois anos. Sinceramente, não tenho nenhuma lembrança de conhecê-lo anteriormente. Talvez durante a sessão possamos descobrir se em algum momento das nossas vidas nos encontramos. Está pronto? Então relaxe e obedeça aos meus comandos, para que a TVP tenha êxito.      Não me perguntem como, mas lembro-me muito bem, depois de seguir à risca os comandos da Dra. Alicia, que fui transportado, através da regressão, para a Rue Saint-Louis enl’Île, em Paris, onde estava acompanhado de uma bela jovem. Juntos entramos no afamado restaurante "MonVieil Ami” para jantarmos. Um jantar romântico, a dois e à luz de velas em total clima de l'amour est dansl'air.  Sim, era a Dra. Alicia Martin a minha acompanhante. Éramos um casal jovem e apaixonado. Em outro estágio da regressão eu era um ator de telenovela. Sendo eu protagonista, como é de praxe em telenovelas, passei quase toda a história enfrentando as agruras perpetradas pelo antagonista. Agora no desfecho, último capítulo da telenovela, depois de safar-me de todas as maledicências, ao lado da minha amada, fiz a citação da frase do filósofo romano Sêneca: “Qualquer tipo de maldade é resultado de alguma deficiência por quem a pratica". E assim sendo, quem sou eu para julgar aquele que foi meu algoz. Após dizer esta fala, eu, o protagonista da telenovela, com minha amada, entrei num trem e seguimos rumo a felicidade perene. Sim, a quem possa interessar, a amada do protagonista era a Dra. Alicia, na flor da idade. Saindo do meu estado hipnótico senti calafrios, tonteiras e a visão turva. Enquanto estava me recompondo, a Dra. Alicia dirigiu-se até uma escrivaninha, pegou um exemplar do seu novo livro, autografou-o e me entregou. Ainda sentado na “chaise longue”, li a dedicatória que a terapeuta francesa acabara de escrever para mim.  Entretanto, não foi a dedicatória que me surpreendeu, e sim a epígrafe do livro. A epígrafe era uma frase do Padre Henri Dominique Lacordaire, religioso dominicano: "Três elementos são capazes de fazer feliz a uma pessoa: Deus, um amigo e um livro". Deixei o consultório da Dra. Alicia revestido de uma certeza absoluta: a de que minha existência resumia-se a uma estrofe da música "O Estrangeiro", de Caetano Veloso: "Uma baleia, um alaúde, uma telenovela, um trem". Há quem diga que estes fatos ocorridos na minha vida não passam de um ”vaudeville”. Todavia, a verdade é que tudo aconteceu conforme foi aqui narrado. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)