sábado, 23 de julho de 2016

 A LÁGRIMA CLARA SOBRE A PELE ESCURA

De todas as intolerâncias a mais abominável delas é o racismo. Somente pessoas parvas praticam discriminações por causa de cor da pele. É inconcebível que, nos dias de hoje, onde o mundo todo cabe na palma das nossas mãos através das novas tecnologias, ainda nos deparemos com cenas horrendas de racismo.  Esta semana, infelizmente, fui espectador de um episódio grotesco, dentro de um supermercado da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, que mais me pareceu um reboot das tristes histórias vivenciadas outrora no Brasil. Pasmem: uma senhora, com idade presumível de setenta anos, elegantemente vestida com exímio bom gosto, por discordar da demora do andamento da fila (que deveras estava andando a passo de tartaruga) foi até o checkout do caixa e mandou chamar o gerente. Não demorou muito para um rapagão destemido de raça negra e de beleza estonteante se apresentar como subgerente do supermercado, uma vez que o gerente estava em horário de almoço. Depois de ouvir os queixumes da cliente reclamante, o subgerente, de maneira afável, pediu desculpas pelos transtornos e fez todos da fila ficarem cientes de que, por ser um horário de pouco movimento no supermercado, alguns checkouts estavam fechados porque as operadoras das caixas registradoras estavam em horário de almoço. Após o subgerente dar as devidas justificativas, a cliente reclamante que não aceitou o pedido de desculpas e muito menos as justificativas do subgerente, começou a debulhar uma série de impropérios com forte teor racial. Ela começou a alardear, aos gritos, entre tantos outros absurdos impublicáveis, que não era à toa que ele era um incompetente e um reles subgerente de supermercado, pois por ele ser preto, nasceu para estar abaixo, ser capacho, ser pobre e ser favelado. Diante daquela insólita cena, não somente o jovem subgerente ficou cético, como todos nós que estávamos na fila, ao ponto de sairmos em defesa do subgerente, que ouviu todas as ofensas gratuitas sem alterar seu comportamento de fino trato. Depois que percebeu que lágrimas escorriam no rosto do subgerente, um dos clientes da fila ligou para o 190 e solicitou uma viatura com policiais. Carl Jung nos ensina, através dos seus escritos, que: "um homem saudável não tortura os outros. Em geral, é o torturado que se torna o torturador". Ficou nítido para todos nós que aquela senhora trazia consigo problemas de complexos psíquicos que mexiam com suas emoções e manifestava desafios de enfrentamento pessoal. Entretanto, a atitude da mencionada senhora racista extrapolou todos os limites da compreensão humana. Assim que os policiais chegaram ao supermercado e ficaram cientes do fato ocorrido, sem mais delongas, levaram na viatura a senhora autora da prática racista e o subgerente do supermercado que fora vítima de racismo para registrar, na delegacia, a queixa crime do ato sofrido. Nunca é demais fazer lembrar que o crime de racismo é inafiançável e abominável. E, não obstante, de forma categórica e peremptoriamente, devemos repudiar veementemente, com incomensurável indignação, qualquer insinuação ou ilação à prática de tal crime. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

terça-feira, 12 de julho de 2016

UMA AMIZADE ESPIRITUAL

Conheci o Prof. Ataualpa Filho no início dos anos 90, em uma Livraria-sebo, que funcionava na sobreloja da Galeria Santo Antônio. Éramos assíduos frequentadores do referido estabelecimento comercial. Quando ocorria nosso encontro, o proprietário da Livraria-sebo sempre brincava conosco, fazendo gracejo com sotaque nordestino, dizendo: “-Oxente, arrepara! Dois poetas nordestinos cabras da preste. Cadê a peixeira?”. E isso aconteceu reiteradas vezes. Até que um dia passei por cima da minha contumaz timidez e perguntei se ele poderia fazer a revisão dos originais do meu livro: Contemplação / Poesias Teológicas. Ele, com sua peculiar finesse, não colocou objeção alguma e aceitou a incumbência. Na data marcada para me devolver os originais revisados, sentamos num banco que havia no corredor da Galeria Santo Antônio e ouvi elogios acerca dos meus escritos. Fiquei tão emocionado com os elogios recebidos que me senti tomado por grande regozijo, pois a opinião do Prof. Ataualpa Filho que, já naquela época, era um notório intelectual aplaudido em Petrópolis, correspondia a um prêmio. Devo ressaltar que o professor não quis receber pagamento pelos préstimos de revisor dos meus originais. Insisti em efetuar o pagamento e ele não quis. Indubitavelmente, ele foi e continua sendo um homem desapegado a bens materiais. A amizade que ele oferece é gratuita. Não pede nada em troca. Não tem interesse em angariar presentes. O Prof. Ataualpa Filho foi o primeiro intelectual com quem tive contato em Petrópolis. Por consequência, conheci os demais intelectuais: Prof. Paulo Machado, Prof. Monsenhor Paulo Daher, Profa. Carmen Felicetti, Prof. Gustavo Wider, Prof. Fernando Magno, Profa. Christiane Michelin, Prof. Antônio Taulois, Profa. Vera Abad, Prof. Luiz Carlos Gomes, Prof. Paulo Cesar dos Santos, Prof. Leandro Garcia, Prof. Humberto Leal, Profa. Catarina Maul e Prof. Gerson Valle. No final dos anos 90 perdi o contato com o professor. Saí de Petrópolis para estudar fora. Retornando à cidade, reencontrei o mestre já na condição de confrade da Academia Petropolitana de Letras e da Academia Brasileira de Poesia. Entretanto, somente no primeiro semestre deste ano, foi que eu descobri algo que, até então, desconhecia completamente sobre o professor: ele é um homem, dos pés à cabeça, portador de uma vocação de missionariedade leiga, à flor da pele. Sua vocação de missionário leigo é bela e é uma autêntica resposta de um sim diante do chamamento de Deus para cumprir a missão que lhe é confiada. Trata-se do mesmo chamamento vocacional que está descrito no Livro do Profeta Jeremias 1:5: “Antes que no seio fosse formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu te havia consagrado”. Foi em um sábado que encontrei, casualmente, Prof. Ataualpa Filho, na rua do Imperador. Ele usava uma camisa de malha com a estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Primeiramente, ele me convidou para o lançamento do livro “Filosofia do povo / Sabedoria de vida”, de autoria do Prof. Monsenhor Paulo Daher. Em seguida conversamos horas a fio sobre devoção mariana, sobre fé e sobre espiritualidade. E devo confessar que fiquei extasiado com toda sua sabedoria de conhecimento teológico. Repito, eu desconhecia completamente que ele era dono de uma religiosidade tão arraigada, de uma fé incomensurável. Portanto, para meu imenso contentamento, além da sua grandiosidade intelectual, o professor também é um missionário leigo engajado, com uma espiritualidade enraizada no amor ao próximo. Ele tem me oferecido lições de espiritualidade de valor incalculável. Aqui afirmo sem titubear: o que tenho aprendido com ele, quando dos nossos encontros, é mais precioso do que eu aprendi no meu mestrado de Ciências da Religião e no meu doutorado em Teologia Bíblica. O Prof. Ataualpa Filho tem, literalmente, uma alma e um coração franciscanos. Quando escrevo franciscano, não estou me referido à Ordem dos Frades Menores, estou me referido ao próprio São Francisco de Assis. E assim como São Francisco de Assis, ele vive e prega a simplicidade, a partilha e a união. Diferente do que nos ensina, persistentemente, o status quo: o consumo, o acúmulo e a competição. Certa feita, estávamos o professor e eu, conversando na Praça Paulo Carneiro, quando, de repente, um morador de rua, se aproximou do professor e o cumprimentou. E o mestre correspondeu às expectativas do excluído da sociedade com extremo zelo e afeto. Sendo eu um espectador daquela comovente cena em via pública, mais uma vez, me fez sentir um ser humano melhor com aquele seu gesto acolhedor para com um desvalido. Poucos sabem, mas ele foi um fiel escudeiro do saudoso Pe. Quinha. Com este sacerdote de Cristo, que já se encontra na casa de Deus, o professor percorreu os mais diversos bolsões de pobreza levando não somente alimento para o corpo, como também o essencial, que é o alimento para a alma. Não me farto em afirmar e reafirmar: nada, absolutamente nada, nos deixa tão próximos do rosto de Deus do que a prática da caridade. São Filipe Néri já dizia: “quem pratica a caridade ganhará o Paraíso”. Acerca de São Filipe Néri faço saber que quando era padre, recusou o convite do Papa para receber o cardinalato. Optou ele em ficar cuidando dos pobres e rejeitados. A caridade sempre pontuou sua vida de sacerdote de Cristo. Tenho orgulho de ser um discípulo, no aprendizado, do Prof. Ataualpa Filho. Seus gestos, suas ações e seu amor ao próximo são exemplos a serem seguidos. Rogo a Deus que me conceda sempre a graça de poder ter o privilégio de compartilhar sempre da sua convivência, dos seus ensinamentos e da sua amizade. Tenho plena convicção de que nossa amizade é uma amizade espiritual. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

sábado, 9 de julho de 2016

NEM OS ANJOS TÊM AO CERTO A MEDIDA DA MALDADE

Em seu livro "A origem das espécies", Charles Darwin escreveu: “O homem, em sua arrogância, pensa de si mesmo como uma grande obra, merecedora da intervenção de uma divindade". Ao ler essa frase lembrei-me, simultaneamente, de um indivíduo que eu conheci outrora, na cidade de Codó, no estado do Maranhão. O que narrarei aqui não se trata de um onirismo, mas sim de alguém real, que atendia pelo nome de Aparecido.  Aparecido, para os desprovidos de conhecimento da sua verdadeira face, se passava por um católico fervoroso acima do bem e do mal. Todos os santos dias, com sua peculiar iniquidade, mesmo que chovesse canivete, não abria mão de participar da celebração da santa missa. Para ser visto por todos os demais presentes, sempre se sentava na primeira fileira dos bancos da Igreja. Na hora de receber a comunhão, tomado por um suposto zelo piedoso, com o terço da Virgem Maria entre as mãos postas, entrava na fila como se fosse o homem mais imaculado da Terra. Em sua visão distorcida de entendimento, contrário do que nos ensina o Catecismo da Igreja, para Aparecido, ajoelhar-se no confessionário para confessar os pecados a um Padre era para os pecadores. Não era coisa para ele, que tinha plena convicção da sua pureza de corpo e alma. Mas quem o conhecia na intimidade, sabia que ele era a personificação de um lobo em pele de cordeiro. Aparecido fazia desagregação entre seus pares. Praticava maledicência sem dó nem piedade. Diariamente, fazer futricagem da vida alheia era o seu deleite. Enfim, não passava de um autêntico sepulcro caiado, tal qual está descrito por Jesus Cristo no Evangelho segundo São Mateus. Poucos tinham conhecimento de que ele era exacerbadamente materialista. Apesar de viver cercado de imagens de anjos, santos e santas de Deus, somente o vil metal era o que lhe causava devoção desmesurada. Dentre tantos transtornos psíquicos que caminhavam lado a lado consigo, sua vaidade aos extremos estava impregnada da cabeça aos pés. Fui testemunha ocular e auditiva destas afirmações proferidas pelo próprio Aparecido: “- Ninguém se veste tão bem quanto eu. Ninguém escreve textos literários tão bem quanto eu. Ninguém é tão magnânimo quanto eu. Ninguém é tão temente a Deus quanto eu. Ninguém consegue fazer nada melhor do que eu, quando me proponho a fazer.” E assim sendo, Aparecido era o retrato vivo da  prepotência, da falácia, da hipocrisia, da arrogância, da presunção, da leviandade e do desamor ao próximo.  E assim viveu Aparecido, envolto em toda sua egocentricidade. E por tê-lo conhecido de tão perto é que posso afirmar, em gênero, número e grau: nem os anjos têm ao certo a medida da maldade que um ser humano é capaz de praticar. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

sexta-feira, 8 de julho de 2016

PROCLAMAÇÃO DO AMOR

Sempre ouvi dizer que "não há atalho para felicidade". E não há mesmo! Enquanto estava fazendo meu jogging matinal, nos jardins do Museu Imperial, pude me certificar dessa verdade irrefutável. Meus olhos sempre foram transmissores de bons sentimentos. E não foi deferente quando enxerguei Emily, sentada em um dos bancos dos jardins, mergulhada na leitura do livro "Musgo e Vento", do poeta Fernando Magno. Emily, a minha Emily de trinta e cinco anos atrás. A mesma por quem fui apaixonado perdidamente e de quem tive que abrir mão por causa de um preconceito enraizado nas pessoas desde que o mundo é mundo: gente pobre não pode amar gente rica. Ledo engano quem pensa que o amor não tem suas próprias vontades. O amor é o único sentimento que cria suas próprias regras. E uma dessas regras é que o amor, quando é verdadeiro, é perseverante. Minha história de amor com Emily está inserida no contexto desta frase da escritora Françoise Sagan: "amei até ao ponto da loucura, aquela a que se chama loucura, que para mim é a única forma sensata de amar". Esta é uma abjeta expressão da verdade. Depois de longos trinta e cinco anos, novamente estou diante Emily. Não a procurei durante todos estes anos, mesmo não havendo um só dia já vivido, depois da nossa separação, que eu não tivesse lembrado do meu incomensurável amor por ela. Mesmo assim, cumpri o acordo que minha família, paupérrima, fez com a família afortunada de Emily. Acordo este assim averbado: os pais de Emily se comprometeram a pagar a minha faculdade de medicina, incluindo os caros livros, desde que a cursasse em outra cidade. Após a concordância aferida, minha família e eu fomos embora de Petrópolis, sem olhar para trás. Todavia, hoje, já sendo eu um médico conceituado, estando em Petrópolis somente como palestrante de um Congresso de Medicina, o destino se encarregou de promover nosso reencontro nos jardins do Museu Imperial. Apesar da passagem do tempo, Emily continuava dona de uma inconfundível beleza. Será que ela me reconheceria? Ainda continuaria vivo nas suas lembranças? O que fez Emily durante estes trinta e cinco anos? A princípio, confesso que fiquei imensamente receoso de me aproximar dela. Quando tomei coragem de ir ao seu encontro ou, pelo menos, passar bem próximo ao banco onde ela estava sentada e lendo, fui dissuadido por um gesto de uma criança, presumivelmente de sete anos de idade, que surgiu, como num passe de mágica, com os abraços abertos, alardeando para quem quisesse ouvir: - Vovó, vovó Emily, meu nariz está sangrando. Veja! - Oh, meu Deus! O que aconteceu, Joaquim. Você caiu? - Não, vovó, eu não caí, simplesmente meu nariz começou a sangrar, do nada! - Calma, calma! Por Deus, há de não ser nada de grave. Em um rápido espaço de tempo aglomeraram-se, em volta de Emily e da criança, inúmeros curiosos. Como médico, não podia ficar sem oferecer meus préstimos àquela criança. Meu Juramento de Hipócrates falou mais alto, não pestanejei, dei um chega pra lá na minha timidez contumaz e fui socorrer o neto de Emily. - Com licença, eu sou médico. Posso examinar a criança? Para minha surpresa, enquanto fazia algumas observações para constatar o motivo do sangramento no nariz do menino, Emily fixava continuamente os olhos em mim. Após fazer as observações, puder ter certeza absoluta que o sangramento nada era além de uma simples epistaxe provocada pela mudança brusca do clima. Limpei o nariz da criança (o sangue já havia estagnado) com lenços de papel que sempre carrego comigo para secar o suor. - Pronto, resolvido o problema! Como é o seu nome, jovem rapaz? - Meu nome é Joaquim! E esta é minha avó Emily. - Pronto, Joaquim, pode voltar a brincar, seu nariz não vai mais sangrar. - Obrigado! - Vovó, posso voltar a brincar? - Bem, se o Dr. Dionísio Marcondes lhe deu autorização, quem sou eu para dizer o contrário? Pode ir brincar, querido. Todavia, não se afaste muito da minha visão. - Esta bem, vovó querida! Assim que a criança afastou-se e os curiosos se dispersaram, não contive minha emoção por estar diante da mulher que sempre amei. A única que amei. - Emily! Você me reconheceu... você me reconheceu, meu amor! -Não seria amor o que sempre senti por você, desde o momento em que nos conhecemos, se eu não o reconhecesse. Mesmo passados trinta e cinco anos sem nos vermos... Poderiam até ter-se passado milênios. Quem ama verdadeiramente, nunca esquece aquele por quem se tem amor. Nunca! Porque um grande amor é eterno. Eu sabia, eu sempre soube, um dia, o nosso amor, nosso grande amor, se encarregaria de nos unir novamente. - Emily, temos tanto a conversar! Preciso lhe explicar as razões que me fizeram sair da sua vida de forma tão abrupta. - Não, amor, não há necessidade alguma de que me dê explicações. Eu estou ciente de que meus pais foram ardilosos e arquitetaram um plano para nos separar. - Mas eu fui covarde. Eu não mereço seu amor, Emily. Eu abri mão do meu grande amor por você em troca de dinheiro. Eu tinha a obrigação de lutar pelo nosso amor. Começando por demover meus pais da decisão de aceitar dinheiro de sua família. - Amor, amor, pare com essa sofreguidão. Não se culpe por nada. Se não fosse o dinheiro que minha família deu para seus pais, hoje você não seria o médico renomado que é. Por que você está tão surpreso, amor, por eu saber coisas da sua vida? Eu sei de tudo sobre você. Sei que você nunca casou. Sei que você se guardou para mim. O mesmo que eu fiz durante estes trinta e cinco anos. - Mas se você guardou-se para mim, como tem um neto? - Esta doce criança que você conheceu não é meu neto consanguíneo. Ele é filho da Vilma, senhora que trabalha na minha casa. Joaquim, desde que nasceu, convive comigo e, desde que aprendeu a falar, me chama de vovó. - Emily, se você sempre soube tudo da minha vida, por que não me procurou, meu amor? - É simples. Eu não lhe procurei, amor, porque você precisava construir uma carreira médica sólida, ser respeitado. E conseguiu, amor! Você conseguiu, Dr. Dionísio Marcondes. Hoje, é um médico respeitado aqui no Brasil e fora dele. É dono de um dos hospitais mais sofisticado do país. Agora você é um homem rico. Tem mais dinheiro do que minha família, e ninguém, ninguém poderá dizer que seu amor por mim é por causa do dinheiro que tenho. E, além disso, uma das virtudes do verdadeiro amor é a perseverança. Tal qual está bem definido na estrofe da música da autoria de Chico Buarque:   "O amor não tem pressa Ele pode esperar em silêncio Num fundo de armário Na posta-restante Milênios, milênios No ar." Após Emily cantarolar a estrofe da belíssima canção, beijei-a com toda a intensidade que somente um verdadeiro amor possui. O nosso beijo somente foi interrompido quando percebemos que estávamos em um círculo formado por pessoas que nos aplaudiam. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

quinta-feira, 7 de julho de 2016

OS ÍDOLOS DE LILIAN

Agora estava tudo consumado. Não adiantava negar o óbvio, o nome da minha família estava mesmo atolado num lodaçal. Estávamos tomando o café da manhã quando a governanta trouxe para meu pai o jornal, do qual ele era assinante, dobrado. Para desespero geral, estava na primeira página uma foto, tamanho 10x15, do meu pai com a seguinte legenda: “Este político é um corrupto que desviou mais de R$ 160 milhões de reais dos cofres públicos”. Eu não sei, exatamente, o que são R$ 160 milhões. Eu só sei que tem muitos zeros e, se tem muitos zeros, é porque é uma soma astronômica de dinheiro. De uma coisa eu tenho certeza absoluta, o pessoal do jornal devia ter mais consideração com meu pai, afinal de contas, ele é assinante do jornal há mais de vinte anos. Eles não poderiam publicar a foto do meu pai e, ainda por cima, chamá-lo de político corrupto. Assim que tiver oportunidade, vou pedir ao meu pai que cancele a assinatura do jornal. Durante todo o dia, minha mãe ficou trancafiada no quarto e tomou tantos remédios que estava com a aparência de um zumbi. Meu pai passou horas a fio ao telefone falando com os advogados que cuidavam de sua defesa. E eu fui terminantemente proibida de sair de casa. Ir aos shoppings diariamente era coisa sagrada para mim. Também, mesmo se quisesse sair não poderia: a entrada do condomínio onde morávamos, na Barra da Tijuca, vivia  empesteada de jornalistas querendo, a todo custo, entrevistar meu pai. Para azedar de vez nossa situação, à noite, o “Jornal Nacional” exibiu uma matéria dizendo que papai era o chefe de uma quadrilha formada por políticos que desviavam milhões dos cofres públicos. Ele levantou-se da poltrona xingando Deus e o mundo. Mamãe, como sempre, chorava descontroladamente, deu ordens proibindo os empregados de ligarem a TV,  o rádio e que rasgassem o jornal assim que o jornaleiro fizesse a entrega pela manhã. Pela primeira vez achei o âncora do "Jornal Nacional", William Bonner, feio. Sempre achei que ele era o homem mais bonito do telejornalismo brasileiro. E aqueles cabelos grisalhos... eram um charme a mais... Mas, depois que Bonner falou aquelas coisas horrendas no “Jornal Nacional” sobre meu pai, passei a achá-lo feio. Ele não é mais o meu ídolo. Até rasguei da minha agenda o autógrafo que ele havia me dado, no dia em que ele foi fazer uma palestra no Colégio Santo Inácio, onde estudo desde o maternal. O papai é o melhor pai do mudo. Tudo o que eu peço ele me dá. Nunca diz não! Eu aproveito a condição de ser filha única, pelo menos legitimamente. É que meu pai tem um filho bastardo, que mora em Brasília. As pessoas mais próximas da minha família acham que meu pai está sendo usado como bode expiatório. Há até quem coloque a mão no fogo pela idoneidade dele. O erro que ele cometeu foi confiar excessivamente nos outros, dizem os amigos. Por ser político, vive cercado de gente mal intencionada. Portanto, tudo que ele fez como político, fez dentro da mais completa lisura. Fez tudo com boa fé. Quem garante é o Dr. Abelardo Alcântara, um dos muitos advogados que lutam para inocentá-lo. Toda noite papai vem ao meu quarto, me dar um beijo de boa noite e mesmo se eu estiver dormindo, ele me beija. Naquela noite não foi diferente: mesmo com o mundo caindo em sua cabeça, ele veio até meu quarto com minha mãe e me beijou. Não sei por que, fechei meus olhos e fingi que estava dormindo, ouvi quando ele dialogou com minha mãe: - Temos que tirar a Lilinha do Brasil. - Por quê? Você acha necessário tomar essa medida tão drástica? Ela é apenas uma menina de 13 anos... Tão criança e já tendo que passar por tudo isso... Quando é que viajaremos? - Nós não podemos viajar com ela, nossos passaportes foram apreendidos pela Polícia Federal. - Lilinha vai viajar sozinha para os Estados Unidos? - Não! Lilinha vai viajar com Vilma, nossa governanta. Ela será a tutora da nossa filha. - Mas por que a governanta? Uma mulher nordestina, de nenhuma instrução. - Esta mulher nordestina de nenhuma instrução, governanta da nossa casa, é a dona de toda nossa fortuna. Eu coloquei os R$ 160 milhões em nome da Vilma, em uma conta na Suíça. - Você é mesmo um político corrupto de merda! Como é que você rouba R$ 160 milhões e coloca tudo no nome de uma retirante sem eira nem beira, que mal sabe assinar o próprio nome? - Olha lá como você fala comigo, heim! Será que você não consegue enxergar o óbvio? Justamente por ela ser uma semi-analfabeta é que posso confiar nela. Ela confia cegamente em mim! Vilma assina qualquer documento que eu mandá-la assinar... Agora  vamos. Vamos sair daqui para não acordar a Lilinha. Depois desta cena, não consegui mais abrir os olhos, realmente adormeci, de verdade. No dia seguinte, cheguei à conclusão que aquela terrível confissão do meu pai não passou de um pesadelo, provocado pela turbulência que minha família atravessava. Imagine se meu pai, idolatrado, seria desonesto? Um homem feito meu pai é raro! Sempre preocupado com os menos favorecidos. Eu amo muito meu pai, ele é o meu ídolo. Na manhã seguinte quando saí do meu quarto para tomar café, encontrei várias malas na sala, curto e grosso meu pai falou: - Hoje, às 11h, você embarcará para Miami com dona Vilma, as duas ficarão em nosso apartamento em Miami. Depois, sua mãe e eu iremos ao encontro de vocês. Não esbocei nenhuma reação contrária às ordens do meu pai. Ciente de que eu estava diante de uma situação inconsútil para minha vida, fiquei calada durante todo o trajeto até o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim. Quando o avião levantou voo, vi que tudo que havia acontecido em meu quarto na noite anterior, não havia sido pesadelo, mas sim a incontestável verdade do meu pai. Eu não o amo mais. Eu amo a Vilma, minha tutora. Ela sim é minha ídola. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

terça-feira, 5 de julho de 2016

FORO PRIVILEGIADO

Quase não houve tempo hábil para o deputado federal Tonísio Pontes refazer-se do susto tomado por conta do recebimento do convite para ele depor na Comissão Parlamentar de Inquérito, que investiga a desenfreada corrupção sistêmica no Brasil. E não obstante, o nobre parlamentar também estava sendo chantageado, naquele mesmo dia, pela revista Turbilhão, que detinha em seu poder várias fotos comprometedoras dele em uma boate gay, em Ceilândia, no Distrito Federal. Como um acordo financeiro não havia sido aferido, as fotos seriam publicadas.  - Com chamada da matéria em letras garrafais, na capa da revista Turbilhão, que estará nas bancas amanhã antes da aurora. - sentenciou o jornalista extorsionário.  - “Além da queda, o coice”. - lamentou-se o parlamentar após desligar o telefone na cara do chantagista. Para quem era apresentado no cenário nacional como guardião ferrenho da moral e dos bons costumes, o deputado Tonísio Pontes, até então tido como incorruptível, estava atravessando um legítimo inferno astral. A força egrégora estava impregnada em todo seu ser. O congressista tentava a todo custo arrumar uma solução para seu dilema. Buscou abrigo e orientação nos conselhos do seu amigo e confidente Dom Izauro Fagundes, bispo diocesano de Trilhos Urbanos - BA, sua terra natal e base eleitoral. Ex-seminarista e orador sábio, Tonísio Pontes tinha como bandeira para angariar votos a moralidade e a ética na política. Foi um choque brutal para os incontáveis eleitores baianos e admiradores, no Brasil afora, verem seu nome comprometido em dois escândalos infames. O parlamentar baiano enclausurou-se no seu apartamento funcional em Brasília esperando o desenrolar do calvário pessoal. A maior preocupação de Tonísio Pontes não era a cassação do mandato parlamentar, mas sim a divulgação das fotos picantes dele na boate gay, na Ceilândia, pois sua mãe, uma septuagenária, não suportaria tal desfrute do seu único filho varão. Vendo que tudo estava se encaminhando para a sua derrocada política e moral, sabendo que não havia a mínima chance de recuperar a dignidade perdida, enxergou aquilo que, para ele, era a única saída: começou a arquitetar o plano da sua morte. Como sempre se vestiu impecavelmente, pois era muito vaidoso, com um dos seus muitos ternos Giorgio Armani, como se fosse a uma seção na Câmara dos Deputados. Despediu-se da mãe com muitos beijos e choro, enquanto ela fazia a sesta depois do almoço. Em seguida, dirigiu-se à janela do apartamento, que ficava no 8º andar, e se atirou rumo ao chão. A notícia do suicídio do congressista alastrou-se feito pavio de pólvora e paralisou Brasília. Assim como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal também se esvaziou. Todos queriam ver o corpo do deputado Tonísio Pontes estatelado no chão. A cena vista era de cortar o coração: encontraram a mãe do político suicida chorando copiosamente e agarrada ao corpo, como se quisesse colocar o filho novamente dentro dela para depois devolver-lhe a vida. Então, a genitora do suicida foi amparada pelo deputado Sameiro, parlamentar, amigo e companheiro de noitada do falecido. Os dois eram frequentadores assíduos da boate gay da Ceilândia. - Deputado Sameiro, o meu menino... O meu único filho homem... Por que ele se suicidou? Por quê? Ele foi quase padre, sabia que o suicídio é uma coisa abominável aos olhos de Deus... Quem tira a própria vida não tem direito ao céu. - Calma, dona Edna! Tenha calma! Não esqueça que seu filho é deputado federal e, como tal, tem direito a foro privilegiado. Assim na terra, como no céu! (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)  

domingo, 3 de julho de 2016

DEUS, UM AMIGO E UM LIVRO

Um sonho me atormentava insistentemente, me perseguia. No sonho eu era gerado no ventre de uma baleia. Uma estonteante e enorme baleia havia me parido! Comecei a ter este sonho persistente depois que ouvi a homilia proferida pelo monsenhor Assumpção, na Missa das 9 h, do último domingo, na Igreja Nossa Senhora do Bom Parto. Na referida homilia o sábio sacerdote fez a citação do Evangelho de São Mateus 12,39-40: "Assim como Jonas esteve no ventre da baleia por três dias e três noites, Ele estaria no coração da terra". A mamãe sempre ralha comigo quando eu falo que vou contar este meu sonho para alguém. Principalmente porque, segundo minha genitora, este sonho é um presságio. Entretanto, mesmo não tendo contado a ninguém sobre meu sonho, além da mamãe, ontem recebi um insólito convite impresso para participar de uma sessão de regressão, uma TVP (Terapia de Vidas Passadas), com a renomada terapeuta francesa, Dra. Alicia Martin, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro e atenderia um seleto grupo de pessoas. No rodapé do convite estava escrito: "Répondezs'ilvousplaît". Mesmo estando descrente em obter êxito em me livrar do sonho repetitivo com a baleia, confirmei presença na sessão de TVP. Assim que adentrei na luxuosíssima sala de espera da clínica, localizada no Leblon, onde a terapeuta francesa estava atendendo, a recepcionista perguntou se eu aceitava um suco, uma água ou um café. Respondi que não e agradeci. A recepcionista, gentilmente, solicitou que eu acatasse um procedimento de boas-vindas e me pediu que retirasse de uma urna dourada um papel de cor branca, tipo cartão de visita dobrado. Ao ler a mensagem que estava escrita no papel certifiquei-me de que era uma estrofe de um poema da poeta mineira Adélia Prado: "Ao escolher palavras com que narrar minha angústia, eu já respiro melhor. A uns, Deus os quer doentes, a outros quer escrevendo." Para mim, indubitavelmente, aquela estrofe era uma incógnita. Não demorou muito a chegar minha vez de ser atendido, apesar de não ter visto ninguém sair de dentro do consultório. Depois tive conhecimento de que os pacientes atendidos pela terapeuta saíam por outra porta, ou seja, os pacientes não se viam. O anonimato era o diferencial oferecido. Fui convidado a entrar no consultório. A primeira grande beleza que me deixou impressionado dentro da suntuosa sala, foi um enorme quadro de óleo sobre tela, sob duas luminárias, de um belo mancebo tocando um alaúde. Aproximei-me do quadro pendurado na parede e pude constatar que a pintura era de autoria de Caravaggio. Fiquei tão hipnotizado pela pintura, que não percebi que a Dra. Alicia chamou-me repetidas vezes. - Professor Áureo, Professor Áureo... Tudo bem, com o senhor? Podemos começar nossa sessão? - Sim, podemos. Mil perdões pela minha inércia momentânea de sentidos, doutora. É que este quadro é uma visão da perfeição. Esta belíssima obra de arte me hipnotizou! É algo fascinante. É uma réplica ou um Caravaggio original? - É um Caravaggio originalíssimo, Professor Áureo! Por gentileza, queira deitar-se na “chaise longue”. - fez-me o convite quase ciciando. Ao fixar meu olhar no rosto da Dra. Alicia, tive a nítida sensação de que eu já havia estado com ela em algum lugar. Ela era linda, inteligente, elegante e perfumada. E tinha os olhos azuis mais estonteantes que eu já havia visto em toda a minha vida. E antes que fosse dado início a sessão, eu a interrompi: - Dra. Alicia, já não nos conhecemos? - Acho pouco provável, Professor Áureo! Eu somente venho ao Brasil de dois em dois anos. Sinceramente, não tenho nenhuma lembrança de conhecê-lo anteriormente. Talvez durante a sessão possamos descobrir se em algum momento das nossas vidas nos encontramos. Está pronto? Então relaxe e obedeça aos meus comandos, para que a TVP tenha êxito.      Não me perguntem como, mas lembro-me muito bem, depois de seguir à risca os comandos da Dra. Alicia, que fui transportado, através da regressão, para a Rue Saint-Louis enl’Île, em Paris, onde estava acompanhado de uma bela jovem. Juntos entramos no afamado restaurante "MonVieil Ami” para jantarmos. Um jantar romântico, a dois e à luz de velas em total clima de l'amour est dansl'air.  Sim, era a Dra. Alicia Martin a minha acompanhante. Éramos um casal jovem e apaixonado. Em outro estágio da regressão eu era um ator de telenovela. Sendo eu protagonista, como é de praxe em telenovelas, passei quase toda a história enfrentando as agruras perpetradas pelo antagonista. Agora no desfecho, último capítulo da telenovela, depois de safar-me de todas as maledicências, ao lado da minha amada, fiz a citação da frase do filósofo romano Sêneca: “Qualquer tipo de maldade é resultado de alguma deficiência por quem a pratica". E assim sendo, quem sou eu para julgar aquele que foi meu algoz. Após dizer esta fala, eu, o protagonista da telenovela, com minha amada, entrei num trem e seguimos rumo a felicidade perene. Sim, a quem possa interessar, a amada do protagonista era a Dra. Alicia, na flor da idade. Saindo do meu estado hipnótico senti calafrios, tonteiras e a visão turva. Enquanto estava me recompondo, a Dra. Alicia dirigiu-se até uma escrivaninha, pegou um exemplar do seu novo livro, autografou-o e me entregou. Ainda sentado na “chaise longue”, li a dedicatória que a terapeuta francesa acabara de escrever para mim.  Entretanto, não foi a dedicatória que me surpreendeu, e sim a epígrafe do livro. A epígrafe era uma frase do Padre Henri Dominique Lacordaire, religioso dominicano: "Três elementos são capazes de fazer feliz a uma pessoa: Deus, um amigo e um livro". Deixei o consultório da Dra. Alicia revestido de uma certeza absoluta: a de que minha existência resumia-se a uma estrofe da música "O Estrangeiro", de Caetano Veloso: "Uma baleia, um alaúde, uma telenovela, um trem". Há quem diga que estes fatos ocorridos na minha vida não passam de um ”vaudeville”. Todavia, a verdade é que tudo aconteceu conforme foi aqui narrado. (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)