sexta-feira, 10 de junho de 2016

A QUINTESSÊNCIA DAS SANTAS MISSÕES

Quando o Chanceler da Cúria anunciava que haveria Santas Missões pelo interior sergipano e que as Santas Missões teriam como pregador oficial o frade capuchinho Frei Damião de Bozzano, a população entrava em estado de graça. Igrejas e praças eram reformadas, as fachadas das residências recebiam novas pinturas, era feita aquisição de roupas novas, tudo com o intuito de receber o maior missionário peregrino que o Nordeste brasileiro já conheceu. Desconheço por completo, até os dias atuais, um missionário que percorrera com tanto ardor missionário o Nordeste brasileiro, assim como fez Frei Damião de Bozzano. Desde que deixou sua pátria mãe, a Itália, e veio ser missionário no Brasil, este missionário capuchinho, que não fazia parcimônia do uso da palavra de Deus, tornou-se um peregrino, um caminheiro que dava testemunho do infinito amor e da infinita misericórdia de Deus. Ainda na época da minha meninice, tive a graça e o privilégio de participar de várias Santas Missões sendo coroinha de Frei Damião de Bozzano. Por reiteradas vezes, beijei suas mãos e ele fazia o sinal da cruz em minha testa. Os cânticos entoados nas Santas Missões, conhecidos também como Benditos Populares, eram primordiais, tais como: "Vinde Pais, Vinde Mães". Eis primeira estrofe: "Vinde pais e vinde mães, vinde todos à missão, para cuidar como cristãos e alcançar a salvação". Outro cântico bem requisitado: "Vem Caminheiro", cujo refrão é este: "Vem caminheiro o caminho e caminhar, vai peregrino seu amor testemunhar". Por todo Nordeste, há porfias que dão conta que Frei Damião de Bozzano carregava consigo uma forte ligação com a intervenção divina. Existem afirmações que ele fez chover em Porto da Folha, sertão sergipano, depois de um longo período de estiagem. Dizem que em Santana do Ipanema, sertão alagoano, ele fez um afortunado dono de terras comer capim vaqueiro tal qual um asno, depois que o referido latifundiário chamou de burro o missionário capuchinho. O rico proprietário de terras abandonou o estranho hábito de comer capim vaqueiro após pedir desculpas. Também é de domínio público que em Sousa, sertão paraibano, ele recusou a dar a sagrada hóstia a uma moçoila que trajava uma minissaia. Mediante a recusa, ela destratou verbalmente o Frei. Logo em seguida, ela perdeu a fala e só a recuperou depois do arrependimento. Sendo lendas ou fatos verídicos os que se atribuem a Frei Damião de Bozzano, o que é incontestável é a missionariedade que ele viveu e ensinou por onde passava. Durante as Santas Missões era comum haver procissão antes da alvorada do dia com o povo da cidade para o arrependimento dos pecados praticados. E, à frente da procissão, sempre ia Frei Damião, entremeando a oração do terço e os Benditos Populares. Outro grandioso feito espiritual de Frei Damião foi sua incansável disposição para atender confissões. Ao término da procissão, iniciada na madrugada, ao retornar para igreja matriz, sem ter descanso algum, o frade capuchinho dirigia-se ao confessionário e lá ficava horas a fio ouvindo e perdoando os pecados do povo. A última vez que eu estive com Frei Damião de Bozzano, ele estava com 95 anos. Como sempre, encontrei-o com o terço nas mãos, rezando, com uma voz quase inaudível. Após a oração do santo terço, aproximei-me dele e beijei-lhe as mãos. E ele, como das outras vezes, fez o sinal da cruz na minha testa. Depois de um curto período de conversação, pude constatar que, mesmo com sua idade avançada, ele tinha uma memória eidética, lembrava fatos de priscas eras. Três anos após este nosso mencionado encontro, Frei Damião partiu, com sua missão cumprida, para casa de Deus. Hoje, encontra-se em andamento na Santa Sé, no Vaticano, um processo de beatificação para Frei Damião de Bozzano. Para muitos nordestinos, Frei Damião já é um santo. Todos os dias, romeiros chegam ao Convento São Félix, no Recife - PE, e vão à Capela de Nossa Senhora das Graças, onde está enterrado o corpo do incomparável missionário capuchinho dos sertões, para suplicarem sua intercessão.   (Todos direitos reservados deste texto a Antônio Menrod. Este material não pode ser publicado, transmitido, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização)