sábado, 12 de abril de 2008

CONTO - DITADO PELO ESPÍRITO LUCAS RAMALHO

Conto escrito em 26 de junho de 2000, em Itacuruçá/RJ.


DITADO PELO ESPÍRITO LUCAS RAMALHO


Tomei tudo que foi remédio para provocar o aborto, e nada de dar certo. Não queria ter aquele filho. Não queria, e não tinha a mais remota condição financeira para criá-lo. O filho da puta do Lucas me comeu de tudo que foi jeito e escafedeu-se. Tudo bem que não foi ele quem tirou meu cabaço, eu já tinha sido desvirginada pelo meu irmão mais velho.
Minha mãe descobriu através de uma professora da escola onde ela é merendeira, que em Itacuruçá, distrito de Mangaratiba, um médico fazia aborto em clínica clandestina por R$ 1.200,00. Eu acho relativamente barato o preço do tratamento, partindo do princípio que eu gastaria muito mais com fraldas descartáveis durante um mês. Paguei o que o médico cobrou e ele tirou de dentro de mim o filho do filho da puta do Lucas.
O dinheiro para pagar o médico, metade, meu irmão mais velho deu e a outra parte minha mãe bancou. Não fizeram mais que a obrigação deles. Na nossa casa, em Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro, eu sou feita uma escrava: cozinho, lavo, passo, arrumo a casa e ainda cuido do meu pai, que vivi entrevado na cama com derrame cerebral, e do meu irmão caçula de oito anos. Faço tudo sozinha sem ganhar um vintém furado.
Quando sai da clínica clandestina, em direção ao ponto de ônibus da empresa Costa Verde com minha mãe, avistei de longe Lucas. Ele estava de shorts e sem camisa, descarregando peixes de um barco pesqueiro. Então foi aqui em Itacuruçá que o filho da puta veio se esconder! Pensei comigo mesma. Não contei à minha mãe que tinha visto Lucas.
Meu irmão mais velho parece maluco, mesmo sabendo que eu havia feito um aborto naquele dia, ele veio pra cima de mim, de noite, com o pau duro querendo enfiar no meu rabo. Jurei para ele que depois que eu ficasse boa não me deitaria com homem nenhum, só com ele. Só seria dele, de mais ninguém. Porém, ele tinha que atender um pedido meu: matar o Lucas.
Dei toda a ficha, disse a ele onde Lucas estava escondido. Na mesma hora, ele convocou alguns colegas da polícia. Meu irmão é policial civil. Eles partiram para Itacuruçá. No cais, perguntou ao um senhor, que remendava a rede de pescar, quem era Lucas Ramalho. Meu irmão nunca tinha visto o Lucas, ele não deixava eu namorar. Disseram que Lucas estava em um quiosque do calçadão numa roda de pagode com amigos cantando e bebendo!
Apresentaram-se como policiais mostrando a documentação. Quando Lucas foi identificado deram voz de prisão. Levaram para a parte deserta da praia e o assassinaram friamente, com vários tiros na cabeça. Em seguida jogaram o corpo de Lucas Ramalho no mar. No mesmo mar onde mais cedo jogaram o feto que seria o seu filho.