terça-feira, 25 de março de 2008

CONTO - A SAGA DE UM DIABÉTICO

Este conto inicialmente foi escrito no Dia Mundial do Diabetes, para o Jornal Petrópolis em 1998.

A SAGA DE UM DIABÉTICO

A vida foi cruel por demais com Alberto Sameiro. Durante sua existência, apesar de ser uma pessoa dotada de muita sapiência, ele nada foi, nada teve, e nem tão pouco nada herdou. Natural da cidade de Codó, no Estado do Maranhão, Alberto Sameiro veio tentar a sorte no Rio de Janeiro. Com ele veio quase nada de dinheiro, e os originais de um livro escrito por ele. Os entendidos na arte de escreve disseram, que qualquer grande editora do sudeste publicaria sua obra literária intitulada QUEIMA SANGUE, um romance de 332 páginas. Depositou suas esperanças na profecia feita pelos intelectuais acadêmicos de Codó, e com a cara e a coragem chegou no Rio.
Tinha 35 anos, e uma enorme obesidade, não bebia e nem fumava. Seus vícios eram: beber de forma descomunal refrigerante e comer constantemente doce. Ficava horas e horas se deliciando com variedades de doces na confeitaria da Rua Riachuelo, rua onde morava em uma pensão, na Lapa. Quando lhe perguntavam porque comia daquele jeito, ele respondia que era pela ansiedade de ter a resposta da editora, se publicaria seu romance ou não. O tempo passava, mais peso ele ganhava e demasiadamente água bebia.
Certo dia, vinha Alberto Sameiro em direção à pensão, com uns livros na mão, que acabara de comprar em um Sebo na Rua do Carmo, no centro da Cidade. Quando chegou perto dos Arcos da Lapa, viu uma aglomeração de pessoas que faziam exame gratuito de diabete. Ele sempre hesitou em fazer o teste para saber se era portador da diabetes. Sua mãe tinha morrido depois de viver vida inteira com o mal. Sua avó, também diabética, morreu. Sabia que possuía todos os sinais da maldita doença, bebia água demais, acordava durante a noite com a boca ressecada, ia de forma exagerada ao banheiro para urinar e sua visão, a cada dia que passava, estava embaraçada. Havia dias em que seus olhos pareciam duas bolas de fogo.
Pensou, pensou e resolveu fazer o teste. Em questão de segundos saiu o resultado, e o aparelho medidor da taxa de glicose no sangue, mostrou – 395. A senhora gorda que realizou o teste, de imediato não acreditou nos números mostrados no visor do aparelho e conferiu várias vezes.
Decididamente, Alberto Sameiro tinha nascido para sofrer. Se Deus existia e se fosse Criador de tudo que existia na face da terra, ele esqueceu de cuidar de Alberto Sameiro, pois ninguém merecia sofrer daquele jeito, muito menos o literato codonense, que tinha muita fé em Deus e abriu mão dos seus bens materiais, herdados parte da sua falecida mãe, em favor dos menos afortunados. Um homem de alma boa. A revelação de ser ele portador de diabetes, o levou a uma terrível depressão. Não se alimentava direito e só saia do seu quarto para assistir televisão na sala da pensão. Começou a perder peso e na sua pele apareceram manchas avermelhadas.
Com aquele aspecto decadente, que ultimamente se apresentava, logo nasceram rumores que o Alberto Sameiro estaria com Aids. Mais uma vez a vida lhe fez vítima.
Um dia assistindo o noticiário pela TV, vê a reportagem que deixa-o atônito, a editora que tinha ficado com os originais do seu livro, havia sofrido um incêndio e tudo que existia na editora foi devorado pelo fogo. Sua última esperança tinha acabado de morrer queimada. Não podia nada mais fazer, uma vez que não possuía cópias dos originais, o romance QUEIMA SANGUE definitivamente virou cinza. O choque da notícia foi tão grande que Alberto Sameiro desmaiou e as pessoas levaram-no para o Hospital Souza Aguiar. Quando o médico de plantão perguntou a dona Adelaide, proprietária da pensão, o que havia acontecido com o paciente, ela sem demora respondeu:

___ Acho que tem Aids. Disse isso revestida de muita certeza.

Foram feitos todos os exames, e o único mal sofrido por Alberto Sameiro era a diabetes crônica. Ao voltar a si, ele não conseguia enxergar, perdeu por completo a visão. Na sua perna tinha uma enorme ferida que se transformou em gangrena.

___ Por isso que Alberto sempre vivia de calça comprida. Falou Dorinha, prostituta que também morava na pensão.

Por ter dado gangrena na perna, era necessário amputá-la. Alberto Sameiro, não reagia a dor, não reclamava da vida, e não fazia questão de viver. Se entregou à morte, sem compaixão da vida. Na mesa de operação, onde os médicos amputariam-lhe a perna, veio a falecer, sem ser nada na vida. Foi somente um diabético.