quinta-feira, 7 de agosto de 2008

CONTO - TRASNFIGURAÇÃO DO ONTEM

Este conto foi escrito no dia 07 de janeiro de 2002.

TRASNFIGURAÇÃO DO ONTEM
Havia mais de três horas que eu estava em um cubículo, onde eles chamavam de sala de interrogatório. O local com uma luminosidade quase inexistente tinha um aspecto de algo tenebroso, causando-me assim a sensação de que não sairia vivo dali.
Recebi ordens em tom de agressividade, dada por um negro de aproximadamente 45 anos, que tirasse meu hábito, pois a partir daquele momento eu seria tratado como homem comum, não mais como padre. Exigiu ele, que eu ficasse totalmente despido: “Se possível tire a roupa também da vossa alma, seu padreco vermelho safado.” Disse estas palavras após notar minha rejeição contrária a suas ordens.
A cada pergunta não respondida por mim, hora eu era ameaçado, hora eram aplicados tapas em meus ouvidos, na gíria essa prática é conhecida por “telefone”. Num dado instante quis saber a razão pela qual estava detido e o motivo de tantas perguntas.
__ Você sabe, se esconde atrás dos muros do convento e da batina para desestabilizar a ordem nacional . Você e outros da sua laia são todos desordeiros, comunistas, veados e subversivos, por isso todos vocês devem ser banidos da face da terra.
__ Eu tenho meus direitos como cidadão. __ Tentei intimidá-lo.
__ Direitos. Que direitos ? Ouvi um riso sarcástico, ele colocou seu rosto bem junto ao meu, senti um hálito de alguém que bebeu algumas doses de conhaque, depois de me dar uma bofetada olha nos meus olhos e fala.
__ Olha aqui seu filho de uma ronca e fuça, nós estamos sabendo que vossa reverendíssima (com deboche) esta panfletiando na sua sacristia um jornaleco chamado “A Força dos Excluídos”, provocando com isso uma anarquia, ainda vem me falar de direitos.
__ De fato eu adquirir alguns exemplares do citado jornal, mais com único objetivo de ajudar as famílias dos presos políticos. Há crianças e mulheres passando fome, o jornal tem o intuito de arrecadar dinheiro para os familiares.
A minha declaração só fez aumentar a raiva do meu algoz, chegando ao ponto dele colocar o revólver na minha boca enquanto uma terceira pessoa que acabara de entrar no recinto surrava-me com uma toalha molhada, prática usada para não deixar lesão corporal, tamanha era a dor que senti a urina descer pelas pernas.
Depois da surra dada em consequência, segundo eles, da minha insolência em admitir tal respaldo às famílias dos presos políticos, jogaram um balde com água gelada sobre mim em seguida ligaram o ventilador, era costume tal coisa para que o preso pegasse pneumonia e morresse, livrando-os da responsabilidade da morte do detido.
Usaram e abusaram da autoridade covarde que eles tinham sobre minha pessoa. As torturas psicológicas e físicas eram sem limites: roleta-russa, ponta acesa de cigarros apagados na sola dos meus pés, a todo momento falavam que iriam introduzir uma chave de fenda no meu ânus e que eu não sairia vivo dali se não colaborasse com a denúncia, apontando outros padres e bispos que também estavam acolhendo em suas paróquias e dioceses familiares de presos políticos.
As forças já haviam me abandonado, eu não mais raciocinava com clareza, aproveitando isso eles obrigaram-me a assinar papéis inocentando-os de qualqueis danos, em seguida desfaleci. Acordei com um banho de água gelada e recebi a permissão de ligar para o convento solicitando que alguém viesse buscar-me. Meu Superior não deu autorização para que um confrade fosse me tirar daquele inferno. Vestiram minhas roupas e colocaram-me em um táxi, pagaram a corrida antecipadamente ao taxista, e o negro principal torturador se dirigiu a mim.
__ Não esqueça de rezar por mim seu Padre, pois sei que no fundo, no fundo, o senhor está agradecido por não lhe ter tirado a vida.
Nada lhe respondi estava completamente desorientado, tudo ofuscava a minha razão: as dores, os medos e a incerteza gritavam de forma desumana em todo meu ser.
Chegando no convento, mal podia me segurar em pé fui de imediato aparado por dois confrades, o Superior ao me ver foi de uma insensibilidade que assustou a todos os presentes profundamente.
__ Lavo minhas mãos diante dessa situação, Padre, pois diversas vezes lhe alertei sobre os perigos desse caminho que o senhor se veredou. O que eu podia fazer já fiz, aqui está a passagem somente de ida para França. Tome um banho, faça sua mala e coma alguma coisa, depois vá para o aeroporto, seu vôo sai daqui a duas horas. E, Padre, ouça bem esse conselho que vou lhe dar, esqueça que o Brasil existe e seja feliz na sua nova pátria.
Hoje vivo recluso em um convento em Alençon, norte da França, onde exerço a função de mestre de noviciado. As marcas das torturas sofridas estão vivas em mim, tenho vários problemas de saúde em consequência do que passei. Do Brasil recebo periodicamente notícias por correspondências através dos meus familiares e confrades. Demais rezo pelo os que mal fizeram a mim para que Deus acolha todos na sua infinita misericórdia.