quinta-feira, 4 de setembro de 2008

CONTO - A SOMA DOS PERDIDOS

Este conto foi escrito em 1991 e faz parte do meu livro As Dores do Mundo.

A SOMA DOS PERDIDOS
Quase nada sabia-se da vida do Professor Dr. Marcus Aureno. Que ele lecionava Anatomia Humana, na Faculdade de Medicina Sameiro, na Rua Sorocaba, em Botafogo, todos sabiam. Também que ele morava, na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, todos tinham conhecimento. Mas o que pouquíssimas pessoas, tinham informação, é, que ele era homossexual enrustido.
Os jornais cariocas, amanheceram trazendo a mesma manchete: - MÉDICO CONCEITUADO DEPOIS DE MATAR GAROTO-DE-PROGRAMA SE ENTREGA A POLÍCIA. Seus amigos, colegas de profissão e todos que o conheciam, ficaram atônitos com a notícia. Pois o Professor Dr. Marcus Aureno, 40 anos, solteiro, natural de Vitória do Espírito Santo, porém desde os sete anos de vida morava no Rio de janeiro. Era ele unanimidade, no que se dizia em respeito ao caráter, inteligência e bondade.
Em depoimento ao delegado, o médico narrou sua história em um monólogo.
Tudo começou quando eu conheci Lauro, na Rua da Constituição, esquina com a Praça Tiradentes, ele estava em frente de um ateliê que faz todos os tipos de tatuagens. Não sei porque, ele olhou para mim, e perguntou-me, se eu pagaria para que o tatuador fizesse uma bonita tatuagem no seu braço. Como médico, quis mostrar-lhe os danos irreparáveis que uma tatuagem, pode trazer à vida de uma pessoa. Conversa vai conversa vem. Quando dei por mim, estávamos sentados à mesa de um barzinho na Rua Imperatriz Leopoldina, onde ouvia-se músicas de Roberto Carlos, repetidas vezes, só “As flores do jardim da nossa casa”, ouvi quatro vezes. Ele contou-me que tinha 23 anos e recentemente havia chegado na cidade, vindo de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e ganhava dinheiro fazendo programas com mulheres. Não negarei que aquela conversa deixou-me excitado, a beleza dele era encantadora e sua presença fazia com que eu criasse fantasias na minha cabeça. De imediato convidei-o para dormir no meu apartamento, sem pestanejar ele aceitou o convite e disse que já não suportava mais dormir nos hotéis de quinta categoria da redondeza. Seus olhos infinitamente azuis, mereciam coisas melhores. Concluiu ele, se narcisando diante do enorme espelho na parede do barzinho. Ao chegarmos no meu apartamento, percebi nos seus olhos, o deslumbramento que o ambiente estava lhe causando. Após o jantar a luz de velas, nos entregamos um ao outro. Depois do ato de intimidade, ele se ofereceu para pegar algo para nós bebermos, no bar da sala. Como estava ele demorando por demais resolvi ir atrás dele, para minha maior surpresa, ele estava revirando toda a sala em busca de jóias e dólares. Assustado com a minha presença, com uma faca na mão ele começou a me ameaçar, aquela cena deixou-me completamente entontecido. Tomado por alguma força, que eu próprio desconhecia dentro de mim, comecei a travar com ele uma luta corporal. E o fim da história, o delegado já conhece, durante a luta ele tentou me empurrar pela janela do oitavo andar, onde moro, e o feitiço virou contra o feiticeiro. Ele foi e eu fiquei pra contar a história.
No julgamento, o Professor Dr. Marcus Aureno foi absolvido. A morte do garoto-de-programa, não houve culpabilidade por parte do médico, sentenciou os jurados.