quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

CONTO - O NASCIMENTO DO FILHO DE DEUS

Conto escrito em 2001.

O NASCIMENTO DO FILHO DE DEUS


Quando o pastor Joaquim, da Igreja Evangélica Glória a Deus, e sua esposa a obreira Ana, tomaram conhecimento que a única filha do casal, estava grávida, ficaram atônitos.

___ Como foi acontecer isso? Como eu vou olhar para as pessoas? Você não pensou no desgosto que nos causaria?

___ Tenha calma Joaquim, você é um safenado!

___ Calma uma pinóia. Como posso ter calma Ana, se a desgraça abateu-se sobre nossa família.

O pastor Joaquim demonstrando muita raiva avançou pra cima de Maria, e começou a chacoalhar segurando-a pelos os braços.

___ Confesse sua filha desnaturada, diga quem foi o safardana que a desonrou!

___ Joaquim, largue nossa filha, não vê que Maria esta apavorada, assim como nós!

___ Mas ela tem que dizer quem foi o filho da puta que a engravidou. Quem é o pai desta criança que você carrega na barriga?

___ A criança que eu carrego no meu ventre, é Filho de Deus!

___ Que blasfêmia é essa que você esta falando Maria? Além de desvergonhada, você é doida?

___ É verdade meu pai, eu nunca iria falar o Santo nome de Deus em vão. Nasci e cresci pondo em prática os dez mandamentos de Lei de Deus, jamais iria cometer um sacrilégio contra Deus.

___ Deixe a Maria falar, Joaquim! A gente sabe que nossa filha seria incapaz de mentir... Continua Maria.

___ Há um mês, eu estava no meu quarto, deitada, quando um Anjo, enviado por Deus, apareceu para mim, fazendo essa saudação: “ Bendito és tu entre as mulheres, e bendito és o fruto do vosso ventre”. Foram estas as palavras do Anjo, antes de me dizer que eu havia sido escolhida para trazer o filho de Deus ao mundo.

Joaquim se convenceu de que Maria falava a verdade. Abraçou-a, a beijou e ficou de joelhos pedindo perdão por não ter acreditado nela no primeiro momento.

___ Deus olhou para humildade desse servo e atendeu o meu clamor. Será no seio da nossa família, que o Filho de Deus virá ao mundo: Oh Nazaré, distrito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, de modo nenhum és a menor entre as capitais; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o povo de Deus. Louvado seja o Senhor meu Deus.

Mãe e filha responderam ao mesmo tempo:

___ Para sempre seja louvado.

Depois de todos comemorarem, brindando com taças de vinho, Ana chamou a atenção do esposo.

___ O senhor meu marido, já parou pra pensar o que falaremos aos irmãos da igreja, quando a barriga de Maria começar a crescer?

___ Bem lembrado Ana! Eu ficarei sem autoridade diante do meu rebanho, como posso exigir retidão, se na minha casa tem uma filha mãe solteira. Pois não podemos contar a verdade, acharão que Maria é uma alienada, inventou essa história descabida para encobrir sua vadiagem.

___ Meu marido tem razão. E quanto a nós dois, eles com certeza nos expulsaram da chefia da igreja. Que faremos, Joaquim?

___ Deus nos concedeu uma graça, mas também nos dará muitas provações. Vamos orar, a Providência Divina mandará respostas para nossas perguntas.

Os três de joelhos no meio da sala, oravam em voz alta em línguas, pedindo a Deus discernimento para ter a solução do dilema.

___ Tive uma revelação, Deus acabou de me mostrar o caminho a ser seguido.

___ Que seja feita a vontade de Deus! O que Deus revelou ao senhor meu pai?

___ Maria, você vai ter que casar o mais rápido possível, não temos tempo a perder!

___ Casar com quem, Joaquim? Se Maria não tem nem namorado. A nossa filha nunca namorou na vida!

___ Com José! Maria vai se casar com José.

___ Quem é José, meu pai?

___ José é aquele que trabalha na marcenaria do seu Antero.

Ana ficou assustada com a revelação que Joaquim apresentou, e começou a enumerar contradições com relação ao nome de José.

___ Mas ele é alcoólatra, senhor meu marido.

___ A Bíblia diz que: não só de pão viverá o homem.

___ Dizem que ele é assalariado, ganha um pouco mais que o salário mínimo, Joaquim.

___ Está escrito na Bíblia que: o justo vive da fé.

___ Comentam que o infeliz é mentiroso, gosta de contar bravata, senhor meu marido.

___ Tá na Bíblia: conhecerá a verdade e a verdade vos libertará.

___ Falam que ele é caolho, Joaquim.

___ Também está escrito na Bíblia: Eu sou a luz do mundo, ninguém vem ao Pai senão por Mim.

___ Não vou mais argumentar meu marido, se o senhor acha que José é o homem ideal para casar com a nossa filha, que seja ele então.

___ Não é que ele seja o ideal, Ana, ele é o único que dentro das atuais circunstâncias serve para casar com Maria, mesmo ela estando grávida. Ele só vive bebendo e nem perceberá o detalhe da gravidez.

___ Se meu pai, recebeu uma revelação de Deus, é porque tem que ser assim, minha mãe. E assim será!

___ Corre, corre lá Ana na marcenaria do seu Antero e convide o José para vir jantar conosco esta noite. Vá depressa.

___ Estou indo, meu marido, estou indo. Maria enquanto vou à marcenaria, adiante na cozinha os preparos para o jantar.

O convite foi feito e aceito por José. O auxiliar de carpinteiro ficou tão feliz, que durante o resto daquele dia, não pôs um gole se quer de bebida alcóolica na boca. Na hora marcada, José chegou na casa do pastor Joaquim, que recebeu o futuro genro com muito contentamento.

___ Entra, meu filho! Seja bem-vindo á casa deste humilde servo de Deus. Acredito que não há necessidade de apresentações, pois você já conhece: minha esposa a obreira Ana e minha adorada filha Maria.

___ Dona Ana, muito obrigado pelo convite. Maria me permita beijar suas mãos, tô até suando frio de tanto nervoso. São muitas as emoções, pois, não é segredo para ninguém, toda Nazaré sabe da minha estimação pela vossa pessoa.

___ Fico muito grata, José!

___ Ana, Maria, vão lá pra cozinha terminar de preparar o jantar, enquanto eu converso com o José.

___ Faço gosto, pastor Joaquim, de prosear com vossa santidade.

___ Para com isso, José, santo é Deus. Mas vamos, vamos sentar, você aceita uma taça de vinho, José!

___ Vinho eu não bebo não! É muito doce e dá dor de cabeça. Agora se o senhor tiver uma cachacinha eu aceito sem pestanejar.

___ Não é hábito ter cachaça na minha casa, eu sou um pastor e guio um enorme rebanho. Porém, sabendo que você não dispensa uma boa cachaça, mandei providenciar a melhor cachaça do Estado do Rio de Janeiro, feita no alambique de Pedro do Rio.

___ Eu tinha prometido a mim mesmo, que não iria por álcool na minha boca hoje, seria abstinência total. Mas se a cachaça é oferecida por vossa santidade, creio que não é pecado beber.

___ Pode beber, beba mais. Beba quanto você quiser.

___ Se eu não conhecesse vossa santidade, eu ia pensar que o senhor quer me deixar bêbado. Mas diga-me pastor Joaquim, qual é a razão deste convite repentino para o jantar?

___ Vou direto ao assunto! Qual é sua intenção para com minha fila Maria?

___ Quero muito bem a Maria, mas acho que não sou o homem certo para namorá-la. Sou um bancarrota, não tenho eira nem beira. Além do mais gosto de tomar umas e outros. Maria é uma santa, é muita areia para o meu caminhãozinho.

___ Pra quando é o casamento?

___ Casamento? Se namorar Maria pra mim é algo impossível, imagine casar!

___ Concedo-lhe a mão da minha filha Maria, para ser sua esposa!

___ Nossa, eu nem sei se mereço tanta graça. Vou até beber mais, tô tão feliz! Hoje é o dia mais feliz na minha vida.

___ Pode beber, adquiri a garrafa de cachaça para você. Vou chamar minha esposa e minha filha para você oficializar o pedido de casamento. Maria..., Ana cheguem aqui, o José quer fazer pronunciamento.

José que estava sentado na poltrona da sala bambeou ao tentar ficar em pé. Não conseguiu, pois já havia bebido mais que a metade da garrafa. Joaquim aconselhou que o futuro genro fizesse o pedido de casamento sentado mesmo.

___ Digníssimo pastor Joaquim, idolatrada salve, salve obreira Ana, quero pedir a vocês a mão da vossa estimada filha Maria. De quem tanto gosto, e quero tê-la como esposa.

___ O que você acha disso, minha filha, casamento é uma coisa séria, o que Deus uniu homem não separa.

___ Meu pai, se o José prometer que nunca mais, em toda sua vida, vai beber cachaça, eu aceito ser sua esposa.

___ Eu prometo, juro por Deus que não mais beberei uma só gota, se você me aceitar como esposo, Maria.

___ Bem, se é assim. Se o José prometeu não beber mais, eu como pai da noiva, dou a benção. Já que não há mais nenhum empecilho, vamos marcar a data do casamento. Daqui a três dias tá bom pra você, José?

___ Três dias, assim tão rápido. Eu acho improvável arrumar tudo para a realização do casamento, em apenas três dias.

___ Para Deus nada é impossível! Pois, está escrito na Bíblia: o Senhor mandou destruir um templo que levou quarenta e seis anos, para ser construído, que Ele o ergueria em três dias. Por que esperar mais se vocês dois estão apaixonados?

___ Mas uma vez o pastor tem razão, casaremos daqui a três dias.

___ Agora vamos jantar, antes que a comida esfrie. Ana ajude seu pai a trazer seu noivo pra mesa, José não se segura em pé de bêbado.

___ Não minha sogrinha, não há necessidade, eu posso ir pra mesa com minhas próprias pernas.

Quando ficou em pé, José caiu na poltrona e se apagou de sono. Enquanto os três jantavam, José roncava e delirava em sonhos, com a noite de núpcias com Maria.
O pastor Joaquim percebendo que José estava, pra lá de Bagdá, expressou seu raciocínio para Ana e Maria.

___ Maria, por mais que você ache abominável, o que vou mandar você fazer, é o que tem que ser feito. É o único jeito de José não suspeitar que você ficou gravida, antes dele a possui-la como mulher. Pois até o nascimento do Filho de Deus, que você carrega no ventre, você não, poderá ter contato carnal, com José. Por isso é que eu o embriaguei, para que ele não se lembre de nada no dia da manhã. Vocês vão dormir na mesma cama, e amanhã de manhã eu darei um flagrante forjando em vocês dois. Na cabeça dele, achará que teve relação carnal com você, quando na verdade, você continuará sendo virgem.

___ Você entendeu tudo que seu pai lhe falou, minha filha... Se não entendeu, pergunte a mamãe... Há certos assuntos que mulher só pode conversar com outra mulher.

___ Não se preocupe mamãe, não se preocupe meu pai, eu não sou mais criança, pode deixar que tudo sairá conforme a vontade de Deus.

___ Espero que você realmente faça tudo direitinho Maria, senão, você, sua mãe e eu, seremos apedrejados pela ala ultra conservadora da nossa igreja.

Antes de espalhar os convites, o pastor Joaquim fez questão de anunciar o casamento da filha à comunidade da Igreja Evangélica Glória a Deus. Os fiéis da igreja ficaram divididos: uma parte estranhou a rapidez com que Maria arranjou um noivo e vai se casar, mas com respeito ou medo da autoridade do pastor Joaquim, não fez comentários. A outra parte, teceu comentários maldosos pelos cantos do templo.
Maria não abriu mão de levar pessoalmente o convite do seu casamento para sua prima Isabel, que morava em São João do Meriti, município vizinho de Duque de Caxias. Chegando na casa da parenta, foi recepcionada por Isabel e seu esposo mudo Zacarias.

___ Donde me vem que a mãe de meu Senhor me visite? Quando sua saudação chegou aos meus ouvidos a criança estremeceu de alegria em meu ventre.

___ Isabel, minha dileta prima, doravante as gerações todas nos chamarão de bem-aventuradas, porque fomos as escolhidas por Deus, para trazer ao mundo, o percursor da salvação e o Unigênito do Deus Pai.

___ Maria, Maria! Esteja preparada, uma espada traspassará seu coração, pois o filho que sairá de ti, será perseguido, maltratado e condenado.

Após seis meses da realização da cerimônia matrimonial de José e Maria, o pastor Joaquim e a obreira Ana, haviam morrido. Morreram de morte natural, foram dormir, e no dia seguinte, Maria, que morava com o marido na mesma casa com os pais, encontrou-os desfalecidos com um semblante radiante, como se estivessem dormindo.
Faltava uma semana para completar nove meses de gestação, para Maria dar à luz, era 24 de dezembro, e Maria tinha recebido um convite para cear com José em Gramacho, na casa do pastor Danúbio, que havia substituído o saudoso pastor Joaquim na direção da Igreja Evangélica Glória a Deus.
Já se passava de uma hora da madrugada, quando Maria pediu para ir embora, pois ela estava sentindo fortes dores na barriga. José que tinha se curado do alcoolismo, se tornou, um marido exemplar e muito responsável: era dono da sua própria marcenaria e proprietário de uma Kombi, que servia para entregar os móveis feitos por ele, cheio de dengos para com a esposa, atendeu o pedido de Maria para que fossem embora.
Como Maria estava indisposta, preferiu ir deitada no banco de trás da Kombi. A mulher do pastor Danúbio emprestou um travesseiro para melhor acomodação da gestante. Antes de José ligar a Kombi, o pastor Danúbio o interrogou:

___ O irmão José, já renovou sua carteira de motorista? Andar com carteira vencida é perigoso; além de você pagar uma multa, pode perder o carro.

___ A esta hora pastor Danúbio, não tem perigo nenhum não, a polícia está dormindo.

Respondeu e saiu rindo, convencido que nada de ruim aconteceria. Após uns 15 minutos que o casal estava na Kombi, indo para casa, trafegando pala Av. Washington Luiz, na altura da favela Beira-Mar, as dores que Maria estava sentindo, se tornaram insuportáveis, Maria gemia de fazer dó.

___ José, meu amado esposo, me leve para o hospital. Acho que a criança está nascendo!

___ Calma, vou fazer o retorno e a levarei para o Hospital Geral de Saracuruna.

___ Depressa, José, não vou agüentar, a bolsa estourou.

Chegando nas proximidades de Redoc, no aterro de Belém, José deu de cara com uma blitz policial, com medo de ser multado, e o carro ficar detido, ele resolveu furar o cerco da blitz, não obedecendo a ordem de parar, acelerou toda a velocidade que a Kombi velha agüentava. Em resposta rápida e rasteira, os policias alvejaram com armas de grosso calibre, o veículo suspeito.
A Kombi de José ficou estraçalhada, parecia uma peneira cheia de incontáveis furos. Ao se aproximarem da Kombi, os policiais, ouviram que o rádio tocava a música de Gilberto Gil; “Se eu quiser falar com Deus”, desligaram o rádio e depois, constataram que o motorista estava morto. De repente, o silêncio foi quebrado com um choro de uma criança, encontraram Maria deitada, atrás, no assoalho da Kombi com o seu filho recém-nascido, ambos ilesos, levaram mãe e filho para o hospital.
A notícia da tragédia se alastrou. Para muitos, esta criança era de fato o Filho de Deus que foi prometido, pois, por certo, um ser humano não sobreviveria à tamanha barbárie, se não fosse o Unigênito de Deus Pai.
Maria estava na enfermaria do hospital, amamentado seu filho, quando recebeu a visita ilustre de três autoridades, que ao entrarem quarto adentro foram logo perguntando:

___ Onde está o Primogênito de Deus... Viemos adorá-lo.

Em seguida entregaram presentes ao recém-nascido. O governador do Estado do Rio de Janeiro, Baltasar, o presenteou com um cheque cidadão. O prefeito de Duque de Caxias, Melquior, deu um pacote de fraldas descartáveis. E por fim a terceira autoridade, o coronel, responsável pelo Batalhão da Baixada Fluminense, Gaspar, trouxe para presentear, o atestado de bons antecedentes criminais de José, e acrescentou.

___ Com este atestado, a senhora terá direito de receber uma boa indenização do Estado e uma pensão vitalícia. Pelo triste episódio, que ocasionou a morte do seu esposo.

___ Agradeço as vossas excelências, pela atenção dispensada a mim e ao meu filho.

No mesmo dia que saiu do Hospital Geral de Saracuruna, Maria levou o recém nascido para ser apresentado no templo. Mãe e filho foram recebidos, pelo mais antigo membro da Igreja Evangélica Glória a Deus, o ancião pastor Cândido, que tomou o recém-nascido nos braços e bendisse a Deus:

___ Agora, soberano Senhor, pode despedir em paz este teu servo, porque os meus olhos viram a tua salvação, luz para iluminar as nações.

Maria ao receber seu filho de volta nos braços, perguntou ao ancião:

___ Pastor Cândido, qual o nome que devo colocar no recém-nascido?

___ Jesus! Este é o nome do Filho de Deus, que você gerou no teu ventre, Maria.