domingo, 20 de janeiro de 2008

CONTO - FORO PRIVILEGIADO


Este conto faz parte do meu livro: As Dores do Mundo, que está no prelo.


FORO PRIVILEGIADO


Quase não houve tempo hábil para o deputado Júlio Dionísio refazer-se do susto tomado por conta do recebimento do convite para ele depor na Comissão Parlamentar do Inquérito, que investigava a compra de votos para aprovar projeto do governo, na Câmara dos Deputados em Brasília. E não o bastante, o nobre parlamentar também estava sendo chantageado, naquele mesmo dia, pela revista “A Semana”, que detinha em seu poder várias fotos comprometedoras do deputado em uma boate gay na cidade de Campinas/SP. “Além da queda, coice”, lamentou-se o congressista.
Para quem era apresentado no cenário nacional como guardião ferrenho da moral e bons costumes, o deputado Júlio Dionísio, até então tido como incorruptível, estava atravessando um legítimo inferno astral, o congressista tentava a todo custo arrumar uma solução para seu dilema. Buscou abrigo e orientação nos conselhos do seu amigo e confidente Dom Izauro Fagundes, bispo diocesano de Trilhos Urbanos/BA, sua terra natal e base eleitoral. Ex-seminarista e orador sábio, Júlio Dionísio tinha como bandeira para angariar votos, a moralidade e a ética na política. Foi um choque anafilático para os incontáveis eleitores baianos e admiradores no Brasil afora, quando viram o nome dele comprometido em dois escândalos infames.
O parlamentar baiano enclausurou-se no seu apartamento funcional em Brasília esperando o desenrolar do calvário pessoal. A maior preocupação de Júlio Dionísio não era a perda do mandato, mas sim, a divulgação das fotos picantes dele na boate gay de Campinas, pois sua mãe, uma sexagenária, não suportaria tal desfrute envolvendo o nome do seu filho único.
Vendo que tudo estava se encaminhando para a sua derrocada política e moral, e sabendo que não havia a mínima chance de recuperar a dignidade perdida, enxergou aquilo que para ele era a única saída, começou a arquitetar o plano da sua morte.
Como sempre ele se vestiu impecavelmente, pois era muito vaidoso, com um dos seus muitos ternos Armani, como se fosse a uma seção na Câmara dos Deputados, despediu-se com muitos beijos e choro da mãe, que tirava uma sesta depois do almoço; em seguida, se dirigiu à janela do seu apartamento funcional, que ficava no 8º andar, e se atirou rumo ao chão. A notícia do suicídio paralisou Brasília. Assim, como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal esvaziou-se, todos queriam ver o corpo do deputado Júlio Dionísio inerte no chão. Encontraram a mãe chorando copiosamente abraçada ao corpo, como se quisesse colocar o filho dentro dela novamente, para devolver-lhe a vida. Foi amparada pelo o deputado Sameiro, parlamentar amigo e companheiro de noitada do falecido, os dois eram freqüentadores assíduos da boate gay de Campinas.

___ Deputado Sameiro, o meu menino... O meu único filho... Por que ele se suicidou? Por quê? Ele foi quase padre, sabia que o suicídio é uma coisa abominável aos olhos de Deus. Quem tira a própria vida não tem direito ao céu.

___ Calma, dona Edna! Tenha calma! Não esqueça que Júlio Dionísio é deputado e, como tal, ele tem direito a foro privilegiado... Assim na terra, como no céu.